terça-feira, 12 de novembro de 2013

O usurpador e a locadora


Essa é uma história sem nenhuma reflexão muito profunda que contará apenas a confissão de um crime. Ou contravenção, não sei dizer ao certo. De qualquer forma espero continuar em liberdade pelos motivos que aqui seguem.

Eu tinha 16 anos, quase 17, e tinha me mudado há pouco para o meu apartamento situado no Setor Bueno, região sul de Goiânia. Eu estava embarcando na aventura de morar sozinho e tudo era novo. O Setor Bueno é um bairro nobre; muitos amigos meus moram na região e há opções de lazer para todos os gostos, incluindo restaurantes, fastfood, boliche, shopping, parque, praça, supermercado 24 horas e locadoras de filme.

Como eu seguia um ritmo de vida pacata e era quieto em casa, achei que seria uma boa aproveitar o tempo livre para ver mais filmes. Diferentemente dos jovens da minha geração, eu não gostava de baixar filmes por dois motivos. O primeiro é que eu me sentia um criminoso e mal por não estar dando os devidos direitos autorais para quem produziu, não gerando qualquer lucro para quem promove de alguma forma esse tipo de arte (espero que isso deixe claro a minha intenção de não ser um criminoso). O segundo é que eu não sabia muito bem como baixar filmes.

Eis que tive a genial ideia de fazer uma ficha em uma locadora próxima a minha casa. Precisamente 300 metros ou quatro minutos. E eis que esbarrei em um dos obstáculos para quem tem menos de 18 anos. Isso mesmo, se você tem menos de 18 anos, além de não poder dirigir e ser preso, você não pode abrir uma conta em uma locadora.

Contei o meu drama no dia seguinte para meus amigos no colégio, colégio o qual também ficava no Setor Bueno. Nisso, um amigo próximo, tanto a nível de amizade, quanto a nível de vizinhança buenística, sugeriu algo que mudou para sempre a minha vida. Ou fui eu que sugeri? Faz tanto tempo já que qualquer uma das possibilidades é possível. Enfim, ele lembrou que o irmão dele tinha se mudado de Goiânia e não voltaria tão brevemente. Eu teria passe livre para na incrível locadora assumir a minha identidade secreta de Ezequiel, o Usurpador.

Foi um ano incrível. Aquela é uma daquelas locadoras em que você encontra todos os filmes por ter todas as opções e sem ter que pedir ajuda por não ser um labirinto. Em pouco tempo já virei um frequentador conhecido a ponto de que quando eu fosse sem o compromisso pegar um filme que estava em mente ou ter esquecido qual era a aventura cinematográfica que queria viver, as moças da locadora atenciosamente falavam “Ezequiel, chegou um filme que é sua cara!”.

Meus Deus, a que ponto nós chegamos! Nunca fui chamado pelo nome por ser um cliente fiel e a primeira vez (e única até agora) que ocorre isso é por uma identidade que eu usurpei! No início eu fiquei me sentindo estranho. A estranheza perdurou por muito tempo. Mas depois de meses aproveitando as vantagens de uma conta na locadora, com promoções, tratamento diferenciado e os melhores filmes à disposição, finalmente me acostumei. E quando esse finalmente chegou, chegou também Ezequiel, o Verdadeiro.

Com o retorno do real dono da conta que eu utilizava, nunca mais tive coragem de pisar na "minha" amada locadora novamente. A boa notícia é que essa história iniciou uma grande amizade entre Ezequiel, o Verdadeiro e Ezequiel, o Usurpador. A essa altura eu já tinha 18 anos e poderia finalmente abrir um conta em qualquer locadora no meu nome. Mas não naquela, a mais próxima da minha casa, a melhor da região.

Passado mais de dois anos desde a última vez que aluguei um filme lá (ou loquei? Eu sei que o nome "locadora" sugere "locação", mas parece muito mais familiar dizer "aluguei"), as vezes penso em retornar e fazer uma ficha na minha verdadeira identidade. Mas até hoje quando alguma das funcionárias topam comigo na rua fazem questão de simpaticamente cumprimentar “como vai, Ezequiel?”, mesmo com meu hiato perdurar no estabelecimento.

Ezequiel, o Verdadeiro, atualmente mora em Manaus e cursa medicina, o que indica que eu teria uns bons anos pela frente para voltar a assumir a sua persona. O que fazer? Conto a verdade? Volto a ser Ezequiel, o Usurpador? Deixo como está?

Só sei que sinto saudades de um dos meus comércios preferidos. Alguns dos melhores filmes da minha vida saíram de lá. Independentemente do que aconteça, sou muito grato a melhor locadora de todas. Espero que as autoridades de plantão não me condenem ou me processem, afinal, fiz tudo na melhor da intenções, eu juro.

Para terminar, gostaria de desejar felicidades e prosperidade a Ezequiel, o Verdadeiro, que começou a namorar recentemente. Ele merece e fico muito feliz por ele como se fosse eu .

domingo, 12 de maio de 2013

O dia de desejar Feliz Dia das Mães


Se tem uma coisa que minha mãe me ensinou é que Dia das Mães é todo dia. Não sei se é esse ensinamento que ela me deu que me faz ter muita dificuldade, mesmo eu já estando com 20 anos, de desejar pra ela Feliz Dia das Mães. Como disse um amigo meu: é mais fácil tentar alguma coisa com a Megan Fox do que desejar Feliz Dia das Mães.

Minha mãe pode não ser a melhor mãe do mundo, mas é a melhor mãe que eu poderia ter. Nossa relação não é uma relação que pode ser considerada tranquila e fofa - a foto que escolhi para por no início da postagem é bem o retrato da nossa relação. Mas com certeza é a pessoa que nunca me abandonaria. Por mais que eu ache que muitas coisas poderiam ser diferentes (afinal, nada é perfeito), não da para imaginar uma vida sem ela. Se hoje reclamo, sem ela eu não teria mais chão nenhum para pisar.

Nossa relação chega a ser engraçada. Não há muitas declarações e demonstrações de amor e afeto. Isso aqui é a coisa mais próxima que acho que consigo fazer para demonstrar que tenho um coração que bate por ela também. Nós brigamos muito e quando estamos em paz ela é muito irônica e sarcástica com minhas perguntas ou falas. Eu sei que mereço. Acho até que todo filho, por mais inteligente e cheio de si que seja, passa por um processo de emburrecimento quando está do lado dos pais e da margem para muita estupidez ser explicitada pelos mesmos.

Não vou me alongar muito, não sou muito habilidoso  e nem me sinto a vontade para me estender quanto a isso. Mas vou relatar o momento mais vivo na minha memória em que minha mãe foi a maior das super-heroínas. 

Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos eu fazia natação e fui participar de um torneio. Eu gostava de nadar costas e odiava nadar peito. Acontece que eu era bom em nado de peito. Acabou que eu perdi a competição de nado de costas e fiquei muito triste e não quis competir no nado de peito depois do resultado adverso. Mas o detalhe é que na competição de peito só tinham dois competidores e se eu tivesse ido pra piscina eu ganharia, no mínimo, a medalha de bronze. É claro que me arrependi bastante de não ter ido. Eu chorei ainda no local onde estava tendo as competições (bem pouco, claro, não queria nenhuma gatinha me vendo chorando). Não me lembro bem se ela riu daquilo, mas ela foi compreensível. Me abraçou e me levou embora. Antes de voltar para casa, porém, ela parou em uma banca para comprar gibi para mim. É babaquice, parece que meu consolo foi comprado. Não, não foi. Aquilo tinha um significado muito maior e eu sei que ela sabia disso. É difícil para um menino muito mais pesado que os outros colegas da mesma idade e que sofria calado por isso ganhar uma medalha em uma competição esportiva. Deixar essa chance passar, então, nem se fala. Mas aquele gibi valeu mais por qualquer medalha. E aquela atitude da minha mãe valeu mais do que qualquer outra coisa que ela poderia fazer por mim porque ela sabia o que eu sentia e sabia que um gibi de 1 real valia mais que qualquer Playstation que nunca tive. Pode ter faltado dinheiro muitas vezes na nossa vida, mas nunca faltou amor, por mais estranha forma que ele fosse apresentado.

Nunca ganhei uma medalha de natação na minha vida. Mas ganhei a oportunidade única de ser filho da minha mãe e que nenhuma outra pessoa no mundo teve a honra e uma chance dessas. Quando falam para eu dar valor nela eu sei que não é em vão.

Mãe, te amo. Feliz todos os dias para a senhora.

domingo, 28 de abril de 2013

Overdose Musical

Quando eu era apenas um mini-lobisomem juvenil e minha mãe ainda me buscava na escola para me levar para casa, tinha uma atitude dela que me irritava bastante. Aquele maldito hábito de colocar para repetir a mesma música várias vezes. Acho que muitas pessoas tem esse hábito (e com toda razão), mas aquela mania de ouvir uma mesma música insistentemente dentro do carro sem ar-condicionado ao meio-dia em um engarrafamento em Goiânia - quem vive aqui sabe que é como ser uma empadinha dentro do forno - era uma grande tortura para um filho que, claro, precisa implicar com o gosto musical e as manias dos pais.

Acontece que hoje em dia muitas coisas que minha mãe escutava eu ainda escuto por vontade própria. Até aí tudo bem. Mas o problema é que ando me pegando com a mania de colocar a música para rodar no Youtube e repetindo algumas dezenas de vezes. É claro que estou me sentindo mal por isso, o cara mais chato do mundo, com mania de adultos bregas. O que me consola é que estou fazendo isso de forma gratuita, já que só preciso procurar na internet, enquanto minha mãe, quando eu era criança e ainda não estávamos na era das entradas USB dentro dos carros, fazia questão de comprar o CD na Bazar Paulistinha para ouvir aquela única faixa incansavelmente.

Eu ainda to naquele deslumbramento em que sou um adulto apesar de jovem. Como moro sozinho há um tempo e não vejo com frequência meus pais, é difícil perceber alguma atitude minha que é reflexo deles. Me pegar fazendo isso é um fato que me faz refletir essas mudanças que passamos quando nos tornamos adultos. Todo jovem quer ser diferente, dar orgulho aos pais e, ao mesmo tempo, ser o oposto deles nos aspectos que achamos negativos. Por mais que nos enganemos e escondamos nossos podres, é obvio que os nossos pais sabem nos decifrar muito mais do que nós sabemos em relação a eles. Tenho certeza que minha mãe quando ler isso aqui vai dar uma grande risada da minha cara por eu ter assumido a minha derrota e ter adquirido essa mania estúpida e que faz todo sentido na vida de qualquer amante de música.

Lembro-me na época do Orkut em que eu e uma amiga fizemos a comunidade "Overdoses Musicais". Na época, para mim, a overdose se dava por uma banda ou até mesmo música que nós poderíamos ter dentro da gente e não necessariamente precisávamos colocar replay. Talvez eu tenha me tornado de vez um adulto brega assim como acho que são os meus doadores de material genético. Hoje to livre desse paradigma de repetição da música. Assumo que faço isso um pouco envergonhado e com um orgulho reprimido, até porque uma música pode ser a forma mais saudável de termos uma overdose, sairmos um pouco do nosso plano habitual para nos elevarmos em outro patamar áureo, bem prático e gostoso, de nos sentirmos pelo menos por alguns instantes como anjos planando em céus nunca explorados.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Alienação

O que é alienação para você?

Eu estava hoje, voltando do ortopedista, em um ponto de ônibus aguardando, quando vejo uma mulher lendo compenetradamente, com seus óculos na ponta do nariz e o par de óculos escuros na testa, o seu exemplar da série Cinquenta Tons de Cinza. Não foi a primeira vez que esse fenômeno aconteceu comigo em minhas desventuras de transporte urbano coletivo e acredito que aconteça com muitas pessoas que, algumas vezes, fazem piadas ou comentários elitistas sobre o ocorrido, como se fosse uma forma estúpida de leitura. Pode até ser, mas não vou entrar nos méritos. Acontece que me fiz essa pergunta que venho refletindo há tempos: o que é alienação?

Quando fazia minha segunda série e tinha meus 8 anos de idade, minha irmã me falou sobre um livro que estava muito famoso sobre um bruxo que se chamava Harry Potter. Eu, nessa época, não acompanhava muito telejornais, internet não era o utensílio que é hoje nos lares brasileiros e o fluxo de informação não chegava até a minha casa, ainda mais para uma mente de 8 anos de idade. Depois de muita insistência para que minha mãe comprasse, comecei a ler a Pedra Filosofal e logo em seguida emendei as sequências, relendo tudo enquanto não eram lançados os últimos volumes e assim foi até o final da minha adolescência. Mas, quando comecei a ler o primeiro capítulo que arrisco-me dizer que se chama (juro que não estou com o livro do meu lado porque ele está muito bem guardado) "O Menino que Sobreviveu", não imaginava a dimensão que estava se tornando tudo isso, só percebendo quando vi, certo dia, no Jornal Hoje, uma reportagem sobre o lançamento do filme e a euforia dos fãs na Inglaterra e Estados Unidos.

Durante essa caminhada de início de leitura deitado na minha antiga cama no Setor Pedro Ludovico em Goiânia até o lançamento do último filme, ouvi muita coisa a respeito sobre o mundo criado por J. K. Rowling, a maioria positiva, é verdade. Mas sempre houve análises mais extremistas que classificavam Potter como um amigo próximo do demônio e um caminho para levar os jovens para o buraco do inferno. Claro que isso nunca me atingiu.

Onde quero chegar contando essa minha saga com o Harry Potter é o meu sentimento de gratidão por tudo aquilo que vivi nas páginas durante anos. A gratidão não é só pela incrível história construída que deixou saudade e sede de mais daqueles personagens que se tornaram íntimos no meu imaginário. A gratidão é, principalmente, por ter aberto as portas da leitura de coisas variadas como forma de lazer e distração. Hoje eu tenho discernimento o suficiente para saber que Harry Potter não é a literatura mais extraordinária do mundo, mas, com certeza, é a de mais valor na minha vida por ser a "mãe" de todas as outras posteriores.

Depois disso tudo, volto a mulher no ponto de ônibus e sua leitura apaixonada por Cinquenta Tons de Cinza. Como foi o mais recente sucesso literário dos últimos meses, ainda mais numa leva que vem com o sucesso anterior da saga Crepúsculo, é um assunto comentado. Hoje o Ibope em cima da trilogia Cinquenta Tons está em um período de latência na mídia, mas em breve eu já vejo o quadro mudar com o lançamento do filme com base na obra. Até lá, mais mulheres vão ler e outros vão criticar. Não vou generalizar o perfil das pessoas que criticam nem as que leem, mas vou citar alguns específicos.

Primeiramente, é muito fácil para um jovem de classe média que estudou em uma escola boa e teve um ensino elitista começar a querer classificar o que é bom e o que é ruim. Logo, logo, o jovem que se enquadra nesse perfil começa a virar o defensor ferrenho de certas ideologias quentes das redes sociais. Daí à expor o seu desgosto pela alienante televisão, por filmes hollywoodianos e também pelos livros de cultura inferior é um pulo. Tudo bem, é uma opção dessas pessoas acharem tudo isso, somos livre, ainda mais na internet.

Outro grupo que critica as leitoras de Cinquenta Tons são o de jovens rapazes que gostam de dizer que o livro não passa de perversão gratuita em uma história rasa e que é uma vergonha, chegando a ser deprimente.

Ok, voltemos para a mulher dos óculos de grau na ponta do nariz e dos óculos de sol na testa. Ela estava sentada em uma leitura com uma expressão cansada e ao mesmo tempo serena. O ponto de ônibus estava cheio e todos ali, tirando o burguês que estava usufruindo de um plano de saúde para uma consulta no pezinho dolorido em seu ortopedista, pareciam estar vindo de uma longa jornada de trabalho. Porém, a única pessoa ali em sua leitura era a mulher de dois pares de óculos. Talvez Cinquenta Tons não seja o livro mais completo em repertório, mas a magia que ele está proporcionando talvez seja única para muitas mulheres da chamada Nova Classe C. Claro que estou partindo de um pressuposto preconceituoso de que essa mulher, assim como todas as outras dos ônibus que vejo todos os dias, não tinham o hábito de leitura. Mas esse pressuposto é arquitetado em um fato empiricamente observado por mim: nunca antes vi tantas pessoas lerem nos ônibus, sendo algo raríssimo (salve os estudantes indo para suas universidades, mas, nesse caso, estou me restringindo a classe trabalhadora que depende do transporte coletivo todos os dias) e curiosamente este é o livro que está em, no que vi até hoje, quase todos os casos. O que essa brasileira pode estar passando pode ser o que eu passei nos meus 8 anos de idade. Quando tinha 8 anos eu já tinha lido outros livros, todos eles muito coloridos, cheio de figuras e moral no fim da história, é claro, diferente das páginas adultas sem figuras e com letras corridas de Harry Potter. Ela pode ter lido várias outras coisas, mas nada que a fizesse se apaixonar por esse hábito realmente, ao ponto de qualquer intervalo de tempo ser irresistível para matar a sede de saber o que vem adiante nas próximas linhas e páginas.

Porém, Cinquenta Tons não é um fenômeno apenas da Nova Classe C. É uma febre que está atingindo as mulheres em geral, até aquelas mais estudas, as mais velhas e as mais novas (que podem ter começado a gostar de ler com o Harry Potter assim como eu). Nisso, os críticos de plantão - praticamente se resumindo ao gênero masculino mesmo - das redes sociais não perdoam, acham um absurdo uma mulher com estudo se achar dentro das páginas dessa série. Absurdo, ao meu ver, é tentar entender as sensações de alguém sem ser aquela pessoa. Um dia tentei entender o que se passava na cabeça de algumas garotas do colégio e li Crepúsculo. Continuei sem entender e fui para o próximo livro da saga e desisti no segundo capítulo com a conclusão de que aquele livro não era feito para mim, mas nem por isso quer dizer que era um livro ruim, simplesmente eu não era o publico alvo. Nisso, nem quis me aventurar para saber o teor exato das páginas de Cinquenta Tons. Não dá para subestimar o sucesso de um livro. Por mais que o número de não-leitores de uma obra seja maior que o de leitores, atingir uma grande parcela da sociedade e um nicho tão específico e tão variado como é o feminino, é uma verdadeira conquista para poucos.

Estou quase chegando ao ponto da alienação, enfim.

Quanto aos rapazes que falam que é uma perversão sem vergonha uma mulher (ainda fortemente reprimida na sociedade brasileira apesar dos avanços) ler Cinquenta Tons, faço uma pergunta: com que frequência você faz uma busca de pornografia na internet?

Para os críticos esclarecidos quanto ao gosto refinado de filmes, tipo de leituras e renega a televisão, eu repito o meu respeito por essas escolhas, mas parto para a reflexão sobre as minhas conclusões relativas ao conceito de alienação. Hoje, geralmente, vejo a maior parte das pessoas que falam sobre alienação, exporem suas opiniões na internet, muitas vezes nas redes sociais (assim como eu estou fazendo agora). Mas, será que a sensação de liberdade que temos de escolha de entretenimento, repertório, informação, educação, entre outros, que temos disponíveis na internet não seja a nova alienação do século XXI? Será que não seria a mais nova caverna de Platão?

A conclusão que chego é que o contraponto para o tanto de coisa que temos disponíveis em um mesmo lugar é a palavra que é usada muito para os vencedores do novo século: foco. Por exemplo, um estudante que almeja passar em um vestibular concorrido em uma universidade pública. Será que as escolas de ensino médio não subvertem o sentido real do aprendizado, transformando esse aprendizado em uma grande indústria de aprovados no vestibular em um sistema "alienante" em que só se pode pensar nas questões do vestibular e não nas reflexões mais profundas da vida? Será que é certo deixar de lado o ser humano que é o estudante jovem, transformando-o em apenas um número contabilizado no índice de aprovação? E os empresários bem sucedidos? Será que o foco nos negócios e na carreira  não seriam a alienação na lógica de formar grandes vencedores no mercado de trabalho acima de qualquer coisa, deixando de lado valores familiares e sentimentais?

Nessas perspectivas, creio que a tendência é que, cada vez mais, as universidades federais sejam ocupadas por burgueses que já se sentem os vencedores - vide comemorações por aprovações como a minha - e cada vez mais solteiros morarão sozinhos por escolherem a carreira de sucesso em detrimento a uma realização familiar. Que bom que existe o sistema de cotas para mostrar o outro lado do Brasil para quem sempre foi acostumado em não abrir os olhos para outras realidades transformando universidades verdadeiramente em um universo de culturas.


E a pobre, velha e renega televisão? Será que é tão pobre de repertório como dizem por aí? Será que é tão digna de represália dos intelectuais de plantão? A pobreza não estaria na superficialidade de falar mal dela na internet em palavras que lidas quase da para ouvir soarem em uma só voz como um grande senso comum, assim como os protestos que só ficam nas redes sociais? Filmes de Hollywood são ruins simplesmente por que dão certo economicamente? 

A linha entre os esclarecidos e alienação é tênue. Não me ponho no lado dos esclarecidos nem dos alienados. Simplesmente porque todo mundo é um pouco dos dois. O sistema, a internet ou Papai do Céu é tão bom que nos deu a liberdade de escolher a nossa alienação. Será mesmo que a ignorância é uma benção?

O importante, creio, é sabermos dosar a intensidade de alienação que vamos escolher no nosso dia-a-dia, tanto no que vamos assistir, no que vamos consumir e no que vamos ler. E vamos fazer isso não para atender a lógica de um sistema estabelecido. Vamos fazer isso unicamente para conseguirmos viver felizes. E o sistema é tão bom que podemos usar o próprio sistema para mudar o sistema, já diria um grande amigo meu.

Quando chego em casa depois de um dia longo numa quarta-feira, por exemplo, eu só quero sentar no sofá e ver meu futebol em paz, não interessa se o juiz é comprado, se o campeonato já tem um campeão definido e se a falta de tecnologia no esporte deixa o resultado injusto muitas vezes. Se nada disso existisse (que bom que existe) perderia o sentido de eu me sentar para acompanhar o jogo porque faltaria motivos para eu xingar e aliviar a tensão do meu dia. Não me sinto alienado por isso e nem esclarecido por saber das possíveis farsas por trás do jogo.

Se ler Cinquenta Tons de Cinza for algo de pessoas alienadas, pouco esclarecidas, instruídas indevidamente ou simplesmente com um péssimo gosto de leitura, ninguém tirará o prazer daquela mulher no ponto de ônibus em sua leitura em um momento de folga no fim do seu dia.

Para terminar esse prolixo texto, deixo outra pergunta: então, o que é felicidade?