segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Presente e liberdade criativa

Quando eu era criança, muitas vezes eu ia a festas de colegas da escola e não podia levar presente ou levava presentes mais baratos, como roupas. Como criança, eu adoraria presentear com brinquedos sofisticados da moda, já que comercialmente era o que eu mais via e, consequentemente, eram mais caros. Mas as nossas condições financeiras não eram favoráveis para esses "mimos" do consumo. Eu ficava imaginando que não dar um presente ou dar roupas seria um insulto (apesar de eu mesmo adorar ganhar qualquer coisa quando alguém resolvia me presentear, até mesmo produtos de 1,99 do camelô), mas minha mãe fazia questão de salientar "presente é presença".

De fato, presente é o aqui e agora. É o que você fala na hora da chamada na sala de aula (dependo da idade real ou mental, se fala também "presunto", "presidente", entre outras variações mais alternativas). Presente é o tempo verbal que simboliza ação, estado ou fenômeno natural que está acontecendo neste momento. Não quero divagar sobre os amplos significados que a língua tem para a palavra "presente". Vou defender, com três acontecimentos, a tese de minha mãe que para mim, quando criança, não passava de uma demagogia, por mais que naquela época eu não soubesse sobre a existência da palavra demagogia e seu significado.

1) Certa vez, um amigo foi em minha casa para deixar umas camisas que vendíamos para os calouros de Publicidade. Ele vestia uma camisa vermelha e gasta do Radiohead. Quando terminamos os nossos negócios, eu comentei "engraçado, ontem mesmo eu tinha falando no Twitter que meu sonho era ganhar uma camisa do Radiohead e hoje você está usando uma". Meu comentário estava despido de pretensões maiores que pontuar o acaso da coincidência. Para a minha surpresa, ele tirou sua velha camiseta, pegou uma das que estavam sobrando das vendas para os calouros para se vestir e me entregou a que era dele dizendo "pode ficar com ela, já passei momentos inesquecíveis usando essa camiseta e acho que você poderá fazer um melhor proveito dela agora e honrá-la" ou algo próximo disso.

2) No meu aniversário há 2 anos, em uma quarta ou quinta-feira, eu não queria comemorar, queria apenas assistir ao jogo do Fluminense pela Libertadores nos tempos em que meu time ainda gostava de disputar a competição continental. Porém, com um pouco de insistência de alguns lados, resolvi topar de ver o jogo em um bar com alguns amigos. Fui surpreendido com todos os tricolores presentes estando devidamente uniformizados, com a presença de amigos não tão fanáticos por futebol assim e até por flamenguistas. O ponto alto foi um amigo santista fazer questão de pegar uma camisa emprestada para também estar na torcida pelo Fluminense e de eu também ser presenteado com um bolo com o desenho do escudo do time na cobertura. Para completar, o Fluminense fez uma partida razoável e venceu o jogo.

3) Em uma viagem em 2013 para São Paulo fiquei hospedado na casa da minha irmã. A intenção era simplesmente aproveitar para ficar mais próximo da parte carioca-paulistana da minha família enquanto eu fazia outras pendências do momento. Paramos para organizar algumas coisas e meu sobrinho, então com 4 anos, resolveu que queria porque queria me presentear. Ele trouxe para mim um palhacinho da dupla Patati Patata que até hoje não sei qual que é, mas o batizei de Patati-Patata.

Há um sem número de casos que poderia exemplificar aqui de presentes e pessoas. Sobre a primeira história, tenho e uso a camiseta dada até hoje, honrando sua história anterior a mim e adicionando outras novas. O alegre Patati-Patata está na minha escrivaninha fazendo companhia a outros adornos e a mim mesmo quando estou fazendo uso do ambiente, como agora. Da segunda história, como era de se esperar, não sobrou o bolo com o símbolo do Fluminense, que foi muito bem consumido, restando apenas fotos de recordação daquele dia, duas delas afixada na parede do meu quarto.

Mas, muito mais do que isso, esses presentes são inesquecíveis pelas pessoas que fizeram parte deles. O diferencial foi a atitude de quem estava lá comigo naquele instante, dividindo seu tempo, sua história e se desfazendo de parte de sua vida para me dar. O verdadeiro presente que ficou foi quem estava presente e era o que de fato o que eu mais queria e que todos queremos em diversos momentos de nossas vidas.

Piegas? Talvez. Mas ninguém pode discordar de que ou minha mãe tinha razão ou a lavagem cerebral dela foi muito boa.

Nesse ponto chego a tal da liberdade criativa. Uma coisa que não mudou muito dos meus tempos de criança para os tempos de hoje foi a minha impossibilidade de poder comprar sempre o que eu realmente gostaria de dar de presente. Muitas vezes é pela falta de dinheiro. Outras vezes é pelo constante ponto de interrogação que surge na hora de decidir o que dar de presente. É quando faço uso de toda a minha liberdade criativa.

Parêntese. Diferente das outras formas de liberdade, como, entre outras, a de expressão (no Brasil não existe), de imprensa, de religião e até mesmo a tal liberdade do Só Pra Contrariar, a liberdade criativa é algo que ninguém pode tirar de mim, somente alguma enfermidade que eu ainda não marquei hora para ter. A liberdade criativa está dentro de mim e não há nada que possa censurar.

Busco inventar presentes, recortes, junções de coisas baratas monetariamente mas que façam sentido. O presente material, mesmo sendo baratinho, é um exercício "mutualístico" para descobrir o outro e me descobrir dentro do outro. Do que ele gosta? Qual sua cor preferida? Quais suas preferências de repertório? Principalmente, qual é a sua necessidade? Um livro? Um tênis para jogar tênis? Palavras soltas? Uma companhia para ir ao bar molhar o verbo em conversas filosóficas fúteis ou futilidades filosóficas? Uma dedicatória sincera?  Um objeto que sirva de lembrança pra vida toda?

Me divirto tentando fazer isso. Me desespero também. Eu sei que é um tanto quanto egoísta e que posso errar na mosca na melhor das intenções. Muitas vezes eu não consigo fazer nada e me limito as minhas sinceras felicitações. Para você que eu errei, me desculpe, do fundo do meu coração. Se ainda não te agradei, prometo um dia me esforçar mais para chegar lá. E isso não é nenhuma indireta para ninguém, porque eu realmente apenas desconfio das grandes chances de erro em que me expus. Inclusive, se você ler isso e se identificar, for essa pessoa para quem cometi uma grande gafe, pode vir falar diretamente comigo.

Metáfora de futebol: a sorte é que as vezes a gente está com a bola na lateral do campo, faz o cruzamento e acerta diretamente no gol, surpreendendo o goleiro. É claro que depois do jogo eu vou falar que minha intenção era acertar o gol, o que não é mentira, mesmo que algumas etapas tenham sido puladas.

Voltando a parte do presente, várias vezes eu também errei nessa filosofia e não me fiz presente por uma razão ou outra. Infelizmente é algo típico e esperado de mim. Somente esse semana eu não fui ao aniversário de um amigo (me desculpa, Fred), talvez eu não vá em outro de uma amiga (me desculpa, Bibi). Também não fui na colação de grau de uma grandessíssima amiga, momento realmente único de sua vida brilhante que por uma razão ou outra não me fiz presente. Me desculpa, Bia. E isso tudo não quer dizer que eu não goste de ganhar presentes comprados em lojas de diversos tipos. Eu adoro ganhar presentes. Mas que eles venham acompanhados de um pouquinho do presenteador, se não for pedir muito.

De qualquer forma, usei de minha liberdade criativa e dedico esse texto a todos que entendem esse universo. Assim me faço presente de algum modo.