terça-feira, 17 de maio de 2016

De repente ela

Recentemente, em uma viagem de volta para casa, fui indagado com uma pergunta muito curiosa: qual foi a melhor coisa que você já fez na vida? E convenhamos: uma pergunta assim, de susto, é muito difícil de ser respondida. Por isso, te dou três, quatro ou quantos segundos, minutos, horas ou dias você precisar para refletir e chegar a sua resposta.

Pois bem. Eu, porém, não tinha tanto tempo assim a minha disposição. Não gostaria de deixar um silêncio constrangedor naquele momento. Além de ser deselegante, uma não resposta poderia parecer que eu estava flertando com o desinteresse. A ausência de respostas naquele momento poderia parecer várias outras coisas. E o principal de tudo, eu gostaria imensamente de continuar conversando com a minha companhia, que naquele momento havia me instigado. Fui invadido pelo desafio de responder como se a pergunta tivesse sido referente ao que eu havia comido no almoço.

Isso tudo me lembrou a série de TV Lost, até hoje uma das minhas favoritas. Antes de um dos protagonistas ir diretamente ao encontro de sua morte já profetizada, ele escrevera em uma folha de caderno os melhores momentos de sua vida. Um dia, inspirado nisso, comecei a escrever em um bloco de notas do computador os momentos mais memoráveis de minha vida. Foi um exercício que tinha como propósito trazer alegria em momentos de leve desconforto, seja por estresse de trabalho, seja apenas por nostalgia e também para não ficar pensando que a minha vida é mais sem graça que outras.

Na hora de responder a pergunta feita dentro do carro, tentei recorrer mentalmente a essa lista. Quando tentava elencar qual daquelas coisas seria a melhor, preferi responder a única coisa que ligava todas: em todos os momentos, eu estava ali. Juro, não foi narcisismo. Foi justamente esse ponto que me fez dar o veredito e responder: a melhor coisa que fiz na minha vida foi não ter deixado de ser eu mesmo. Mesmo com erros, mesmo com uma visão romantizada do mundo que, em teoria (e algumas experiências práticas), causam maior sofrimento. Até porque, acredito que não renunciando o próprio jeito de ser, desde que seja correto consigo mesmo e com o mundo, minimiza a maioria dos sofrimentos (não todos, afinal, não vivemos em um mundo asséptico, mas aí já é outra história).

E foi justamente pelo meu jeito de ser que fiz algumas das coisas mais incríveis da vida pontuadas em meu bloco de notas. Também por causa do meu jeito que acabo levando alguns cascudos que me ajudam endurecer um pouco o couro.

Um dia em (muito) especial entre os dias mais especiais foi o show do Rodrigo Amarante em Brasília, em outubro de 2013. Foi um show incrível e que fui sozinho porque ninguém topou ir, ou por ser em Brasília ou por considerarem caro. Além de ter sido mais intimista, em um teatro não tão grande, e com o Plano Piloto completamente deserto no sábado à noite, o show tinha muito alegria por parte dos músicos. Ao final, ainda pude conversar um pouco com eles e garantir uma foto pra eternidade no meu momento tiete. Se eu tivesse desistido de ir pela falta de companhia, por exemplo, nada disso teria acontecido e esse dia não existira na lista.

Gosto muito do Rodrigo Amarante também pelas reflexões que ele faz durante os shows. Uma dessas reflexões eu vi no YouTube quando ele canta uma música do Jorge Ben Jor, outro artista que tive a chance de assistir duas vezes também em dias muito especiais e únicos. A música se chama Errare Humanum Est, que quer dizer, traduzida para o português, “errar é humano”. Mas não é um errar de justificar nossos erros, principalmente das coisas que já fazemos sabendo que são erradas, e sim um errar de ser errante, de se expor, de explorar o desconhecido, de sonhar e deslumbrar. É errar por ter coragem de encarar incertezas, não se acomodar e também não se submeter justamente à insistência nos mesmos erros e causas de alguns de nossos sofrimentos e angústias. Até porque perseverare autem diabolicum (persistir no erro é diabólico).

Então, acho que a melhor coisa que fiz na vida e que acho que continuarei a fazer é ser errante, para procurar acertar, mesmo que só um pouquinho, comigo mesmo e com o mundo. Já faz alguns dias desde a viagem em que essa pergunta foi feita. Por essas e outras, acho que esse passeio continuará eterno e terá um lugar cativo no meu bloco de notas dos melhores momentos.

Pra encerrar, justifico o título deste texto deixando um repente escrito por mim há alguns dias, em uma experiência também errante, chamado “De Repente Ela”. Eu já o havia publicado, mas não divulgado, porque acho que ainda faltava algo.

Agora acho que não falta mais.

DE REPENTE ELA
 
O sorriso dela é maracatu.
A alegria dela é o frevo.
O cabelo dela é guitarrada.
Os zóio dela é psicodélico.
A atitude dela é rock n’ roll.
O abraço dela é arrasta-pé.
O beijo dela forró é.

Doesn't metter. Doesn't metter. É proibido cochilar.

O olhar dela é fado português,
O nome dela é tarantela italiana,
A voz dela é modão goianês,
O gingado dela é samba.
É samba brasileiro!

Doesn't metter. Doesn't metter. É proibido cochilar.

Ela e eu no terreiro semo xote com baião.
Minha música pra ela é xaxado do bregão.
Nossa ciranda de roda é em forma de canção.
Ela é Maria Bonita e eu sou Lampião.

Doesn't metter. Doesn't metter. É proibido cochilar...