sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Dança da Chuva

As chuvas começaram. Finalmente. Dizem por aí que chuvas servem para lavar a alma. Ainda no meio do clima seco que vivemos.

Vivemos.

Interessante conjugar logo esse verbo na primeira pessoa do plural quando não existe mais “nós”, quando não mais existe sequer o verbo.

Interessante as chuvas começarem justamente quando “nós” deixou de existir, quando você decidiu seguir em frente.

Talvez já não havia mais “nós” há muito tempo. Talvez já não existia “nós” antes mesmo de você tomar o primeiro passo. Alguém precisava puxar o gatilho que estava logo ali. E nunca se puxa o gatilho sozinho. Ou pelo menos é o que dizem por aí.

Sozinha ou não, você puxou.

De qualquer maneira, já fazia muito tempo que o tempo estava seco. Já fazia muito tempo que o tempo parecia não existir mais para nós. Que tudo era igual. Que tudo era um grande deserto, tanto lá fora, quanto dentro dos seus olhos.

Mas você seguiu e as chuvas chegaram, elas não mudaram a programação mesmo sem ter você para ver. Só que diferente do que dizem, as chuvas não vieram lavar a minha alma. No máximo regam-na de lágrimas: tenho certeza que os anjos que travaram guerras para nos unir não gostaram muito das últimas notícias.

Lembro-me de que em dias de chuva você gostava de ver filme. Em um desses dias você me contou que quando chovia nos filmes, queria dizer que alguma virada estava acontecendo, que nada mais seria como antes. E você, como sempre, estava certa.

Lembro-me de como você gostava do cheiro da chuva. As suas bochechas coravam na primeira inspirada. E depois de alguns instantes fechados, os seus olhos brilhavam depois de expirar.

Lembro-me de como você gostava do cheiro do café que eu fazia em dias assim. Pouco açúcar. Mascavo, por favor. 

E aquele dia de sol forte e calor intenso que caiu (como você disse mesmo?) um “toró daqueles do nada”? Você saiu correndo desesperada pelo quintal para tirar as roupas do varal. Você vestia aquele vestido que eu te dera logo depois que nos conhecemos. Você escorregou e caiu, se sujou toda de lama. Fiquei preocupado e corri ao seu encontro. Quando cheguei perto, você olhou pra mim e começou a rir. E eu ri de você. E nós rimos juntos.

Nós.

Você se levantou, desistiu das roupas no varal. Não tinha mais o que fazer. Elas molhadas e você suja de lama. Você gargalhava. E você começou a rodar. E você rodava. E rodava. E rodava. Parecia ciranda. O seu sorriso, o maior de todos, nunca foi tão grande.

Parecia comercial de margarina ou de sabão em pó. Mas não era. Se fosse, acabaria eternizado no abraço que você me deu em seguida e que por anos eu achei que você nunca mais tinha me soltado. Por tempos acordei achando que eu estava bem ali, nos seus braços.

Logo, tempo e chuva passaram e tudo ficou seco novamente. Nem o cheiro de café te corava ou consolava mais. Seus olhos não mais brilhavam, permaneciam tão secos quanto o tempo árido lá fora.

Sem brilho, os seus olhos se fecharam definitivamente para mim. Como água, o que era “nós” escorreu por nossos dedos. Você se foi e eu fiquei, só me restando a secura.

Mas hoje tudo mudou mais uma vez. Hoje choveu de novo depois de muito tempo. No meio da tempestade percebi que o sol sempre voltará em algum momento para brilhar para todo mundo. E quando o mundo brincar de dançar ciranda, o sol for embora e escurecer, eu sei que a sua estrela voltará para brilhar só para mim.

Aí então estaremos nós dois dançando juntos de novo, dessa vez na chuva de estrelas.

Só nós. Só eu e você.