sábado, 21 de junho de 2014

O Gato


Uma temática constante que me faz retornar a escrita de relatos pessoais é a experiência de morar só. Viver, por si só, já é algo fascinante, incrível e intrigante que dá pano pra manga pra diversas áreas do conhecimento, seja filosofia, psicologia, comunicação, medicina, biologia ou qualquer outra que você queira interpretar. O ponto de eu analisar aqui a vida - de maneira superficial e leviana, é verdade - é justamente a presença da vida por si só. Vou logo ao título antes que pensem que fumei muita maconha antes de começar a escrever.


Desde que me mudei para esse apartamento de número 202, no bloco E do meu condomínio no Setor Bueno, em Goiânia, já recebi visitas, morei por algum tempo com outra pessoa, tive experiências que marcaram pra sempre minha vida. No momento eu acho que estou vivendo a maior de todas. 

Há poucos meses voltei a morar só. Assim como nos outros momentos anteriores em que morei só, tentei colocar mais vida no apartamento. No meu quarto é possível encontrar na parede fotos de viagens que fiz, de amigos e familiares, algumas fotografias adquiridas, outras mais experimentais, além dos recortes de publicidades e matérias de revistas velhas coladas de maneira aleatórias em cartazes. Também já me aventurei a criar plantas duas vezes, dessas baratinhas que você compra em qualquer supermercado ou floricultura que vêm em vasinhos práticos. Tive um peixe beta, que sobreviveu por mais de 1 ano e meio sob meus cuidados. Fora as plantas, o peixinho e as visitas, ora pessoas, ora baratas voadoras, geralmente sou eu e meu mundo de fotos e recortes.

Primeira vez que vi Bilbo por fotografia.
Uns dois anos atrás, um amigo meu resgatou um gato, ainda filhote, de ataque de cachorros na porta de sua casa. Ele estava bem doente e não poderia ficar na casa dele. A alternativa foi trazer o pobre bichano aqui para o meu apartamento. O batizei de Adoniran. Era um domingo e fiquei com ele a tarde e a noite inteira ao lado de sua caixa de papelão. Ele estava muito assustado e com diarreia por causa da doença. Infelizmente o encontrei morto no dia seguinte antes de sair para ir trabalhar.

Isso foi um trauma muito grande para mim. Por mais que não fosse minha culpa, tinha ficado a sensação de fracasso e o sentimento de que uma vida tinha sido perdida dentro da minha casa. Desde então quis muito superar isso, mas sempre me faltou coragem, por mais que as oportunidades nunca sessassem. Recentemente surgiu a proposta de uma pessoa muito especial de que eu ficasse com um dos filhotes que a gata dela teve. Por todo o contexto o convite já era atraente. Quando vi a foto daquele pequeno gatinho, a proposta se tornou irrecusável. De cara dei o nome de Bilbo, mesmo sem ainda tê-lo aqui em casa. O nome foi em homenagem ao hobbit Bilbo Bolseiro, famoso nas histórias da Terra Média de Tolkien.

Antes de trazê-lo, gastei nada mais, nada menos, que 180 barões para colocar tela nas janelas do apartamento. Comprei a areia pra ele fazer caquinha e o pipi, além da ração. Esses gastos iniciais já me fizeram começar a me arrepender da decisão. O mesmo amigo que me deu o Adoniran conversou muito para eu repensar a ideia. Porém, a decisão já estava tomada e ele foi comigo buscar o Mr. Bilbo. Foi amor a primeira vista.

Minha primeira foto com Bilbo.
Aquela criaturinha pequena, chorosa, medrosa, querendo colo ao mesmo tempo que queria correr aflorou sentimentos por animais que nunca pensei que eu tinha. Já no primeiro dia ele teve visitas. Na primeira semana comigo ele teve um quarto só para ele, o que me fez me sentir generoso e um bom dono por dar um comodo inteiro só para ele. Antes de sair para o trabalho sempre ficava com ele alguns instantes no quarto, limpando a remela que impedia que ele abrisse direito os olhinhos. Doía o coração de ouvir ele miando quando eu saia de casa.

Hoje faz um mês que ele mora comigo. Ele já está com quase o triplo do tamanho que tinha quando chegou. Eu percebi a minha ingenuidade quando me achei muito legal em dar um quarto só para ele, pois agora a casa inteira é dele. As visitas também são para ele. O melhor canto do sofá é dele. Em um mês deu para termos nosso momentos de crise. Ele me pune sempre com severos arranhões e mordidas em partes diversas do corpo. Isso fortalece a amizade também. 

Enquanto escrevia esse texto, ele não acordou sequer para dar uma revisada. Mas é a magia dos felinos. É mais fofo que qualquer bichinho de pelúcia. É mais esperto do que eu, mesmo tendo tão pouco tempo de vida. É mais independente e astuto também. É a melhor companhia que eu poderia ter. Eu posso estar fazendo nada e ele com vontade de fazer nada além de dormir ou brincar com bolinhas de papel, mas ele faz questão de fazer isso onde eu estiver. Se estou deitado, é no meu colo, peito, barriga ou barba que ele quer  se deitar também.

Modéstia à parte, escolhi certo o nome do Bilbo. Ele é como o personagem d'O Hobbit. Preguiçoso, guloso, boa vida, simpático, engraçado e de uma coragem surpreendente. Todos gostam do Bilbo e o Bilbo gosta de estar com todo mundo. Eu amo esse gato. Em um mês de convívio eu não consigo me ver morando sem ele. Espero que nossa amizade dure anos e anos e que tenhamos muitas histórias para contar. Viver, por si só, já é algo fascinante. Principalmente se você for um gato.
Bilbo sendo gato.

Bilbo e sua soneca vespertina na minha perna.