segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Ato de Fé



O que me fez sair do meu sono esta noite foi a inquietação. Dormi de qualquer jeito no sofá "estarrecido" com tudo o que ocorria depois dos últimos atos de fé que me deparei do povo brasileiro. Antes das 6 da manhã de uma segunda-feira, que devia ser abençoada para mim por conta de um recesso do feriado de amanhã do Dia do Servidor Público em que sou contemplado por estudar e estagiar em órgãos federais, comecei a rabiscar no papel esboços numa tentativa de organizar os meus pensamentos. A internet neste momento está saturada de opiniões, esclarecidas ou não, porém legítimas na maioria dos casos, afinal, vivemos em uma nação que a liberdade de expressão ainda permanece vigente, mesmo que com algumas controvérsias. Infelizmente não considero legítimas em todos os casos, já que a máxima do respeito é atropelada com preconceitos elitistas, tanto de direita, quanto de esquerda. E é dessa liberdade de expressão, movido pela minha tentativa de acabar com uma inquietação que vou ser só mais um na internet com minhas opiniões, afinal, sou também mais um cidadão brasileiro.

Não é preciso ser antropólogo para saber que o brasileiro é culturalmente mais acalorado em relação a outras nações em suas reações, seja em momentos bons ou ruins, seja em eventos grandes ou particularidades singelas. Talvez por isso gostamos tanto de futebol nem que seja apenas na época de copa ou talvez, mesmo que um pouco mais comum antigamente, todos paravam e se uniam em torno de uma trama nebulosa de alguma novela em seu desfecho. Esse foi o clima vivido nas eleições. Cheio de tramas, reviravoltas, viradas, escândalos, injustiças ora para uns, catarses ora para outros e uma decisão que não se satisfez por ter a emoção elevada a flor da pele até os acréscimos da prorrogação, sendo decidida nos detalhes da "loteria" das cobranças de pênalti. Todavia, eleição não é futebol, tampouco a reação da população não deveria ser igualada a esta analogia estúpida que acabei de fazer. 

Votar é um ato de fé.

O Brasil é feito, sobretudo, por brasileiros. Nossa soberania em um estado democrático de direito está em nós mesmos, pois nós fazemos a escolhas dos rumos da nação. Independentemente do resultado de ontem nas eleições, não importando se o vencedor fosse Aécio Neves ou Dilma Rousseff, quem faria e ainda poderá fazer a verdadeira mudança de nosso país somos nós mesmos. Porém, com as reações que vi, acho que nós não estamos preparados ou queremos mudar. Não estou me isentando da responsabilidade, estou no mesmo bolo, uma vez que, mesmo que por ora, minha atitude seja apenas escrever. Também não estou fugindo do meu posicionamento político quanto ao meu voto, apenas considero que o ponto em questão não é esse. Para reforçar esse meu ponto de vista quanto ao ato de fé, sugiro a leitura deste texto do psicanalista italiano que reside no Brasil Contardo Calligaris, publicado na semana em que tivemos o resultado do primeiro turno,

O que vimos nessa caminhada, entre outras canalhices, foram amizades desfeitas. Tentativas de ofensas gastronômicas com as rotulações de "esquerda caviar" ou "direita coxinha" mostravam a total incapacidade ao lidar com uma vitória ou derrota (abro parentese aqui para dizer que considero ambas rotulações frutos de "classes médias" - repare bem no não uso da palavra "elites" -  intelectuais e/ou econômicas que muito mais do que se considerarem esquerda ou direita, repudiam e temem a ideia de pertencer ao outro lado em que critica). Entendo que essas reações podem ser um pouco irracionais dado o calor do momento. Porém, já é ridículo o Brasil virando um grande estádio de futebol com esses gritos vindos de um lado ou de outro (lembrando que um estádio de futebol tem arquibancadas em formato que rodeia o campo e faz com que conceitos de direita e esquerda, neste contexto, se tornem totalmente relativos). Mas no momento em que a agressão se torna de brasileiro para brasileiro, tudo fica totalmente incompreensível e inaceitável. 

Episódios de brigas em estádios de futebol são condenados pelos "politizados" sempre que ocorrem e se tornam destaque nos noticiários. Tão ruim quanto, por vezes pior, é quando uma torcida se une para mostrar sua total irracionalidade para praticar atos racistas. Por que retorno a analogia ao futebol? Vou relatar aqui em baixo alguns acontecimentos que cabem reflexão que justifica essa retomada.

Uma amiga jornalista relatou em um grupo de Whatsapp (viva as redes sociais!) que ontem ao ir votar com adesivos e camisa de um dos partidos em questão se sentiu acoada e intimidada ao chegar ao colégio em que ela vota porque era praticamente unanime o apoio dos demais eleitores ao outro partido em disputa. Não demorou muito para vir agressões verbais. 

Outro caso que vi, dessa vez no Facebook (viva!) foi uma postagem em que duas pessoas petistas (pelo menos no contexto de segundo turno) postaram uma selfie em frente ao colégio em que votam com a legenda "petralhando em território inimigo". 

Em ambos os casos o que me chamou a atenção, além de virem de redes sociais, foi que na hora do ato máximo da democracia, se via uma subversão de valores. No primeiro, a indignação de uma pessoa por se sentir um estranho no ninho, com razão a partir do momento em que houve opressão verbal e no olhar na hora de votar. No segundo, o orgulho, neste caso não só de ter um posicionamento político, mas do uso da palavra "inimigo" ao se referir ao colégio de votação e o posicionamento da maioria que ali vota. Ora, mas não somos brasileiros e o território em questão não é o Brasil?

Outro caso me chamou mais a atenção pela agressividade. Um casal que tem uma condição financeira mais favorecida estava no último sábado em um reconhecido restaurante bar que pode-se dizer que é frequentado por uma elite econômica. Seria um fato corriqueiro se o casal em questão não estivesse com adesivos com apoio ao PT e ao PMDB, e que em um ato de selvageria total, foram agredidos fisicamente por se posicionarem politicamente em um país que por anos lutou pela liberdade de expressão.

Por fim, outro episódio que teve um repercussão maior foi com o humorista Danilo Gentili. Também no sábado, em um show de humor em seu conhecido bar de stand-up comedy em São Paulo, ele fazia piadas que tinham como alvo a presidente e então candidata Dilma Rousseff, quando uma das pessoas da plateia se mostrou insatisfeita com o tom ácido do humor direcionado à petista. Neste ponto é importante considerar que é uma praxe do humor ter como alvo a política e principalmente os governantes que estão em evidência. Concordando ou não com o ponto de vista e com o humor de Danilo Gentili, ele é reconhecido por suas críticas ao PT e naquele momento ele estava sendo pago por quem frequenta seu bar para poder exercer o seu oficio, que é não passa de uma prestação de serviço como qualquer outra. Ao final, ele disse para a pessoa exaltada na plateia "eu não sou empregado do PT, eu falo o que eu quiser. (...) Você precisa aprender a viver em um país onde as pessoas tem o direito de falar o que quiserem. Eu estou exercendo o meu direito". Para ver o vídeo na íntegra, clique aqui.

É bem provável que quem estiver lendo isso deve ter presenciado ou tomado conhecimento de tantas outras ações contraditórias, anti-democráticas ou irracionais. Neste momento quero adentrar em um ponto que me chama mais atenção e que mais me entristece.

Eu sou nordestino. Com muito orgulho e com muito amor. Atualmente eu moro em Goiânia e aqui tive minha formação intelectual e moral. Porém, nunca me distanciei de minhas origens, sempre voltando quando podia para visitar a minha família, a casa onde cresci nos primeiros anos da minha vida e revendo a minha história. Entre outros lugares que tive a oportunidade de visitar mais de uma vez, o nordeste, nem que seja somente o estado do Rio Grande do Norte, foi um lugar que pude acompanhar a evolução constante e significativa. 

Ontem, para variar, com mais uma vitória de um governo marcado, entre outras coisas (boas e ruins), pelas questões sociais e políticas mais populares, uma nova onda de revolta se ascendeu contra a camada da população que ainda é a mais pobre economicamente do Brasil. Talvez pela derrota de Aécio Neves ter sido por uma margem percentual mínima, ou pela população do nordeste não ser mais tão pobre como há 12 anos, ou até mesmo por eu estar mais adulto em comparação as eleições anteriores ou ainda pelo fenômeno que são as redes sociais, senti algo diferente no ar.

Me desaponta o tamanho da inabilidade de alguns indivíduos em se verem representados em seu próprio povo e não reconhecerem em seus compatriotas suas próprias histórias. É fácil nos indignarmos se um Ronaldinho Gaúcho é chamado de macaco fora do Brasil, mas mais fácil que isso é transferir a culpa de todos os problemas da nação para o voto do negro, do pobre, da mulher, do homossexual, do nordestino ou de qualquer minoria que ainda tem pouca voz e vez perto do que verdadeiramente o valor que eles representam no montante final. Isso reflete o quanto estamos incapacitados de mudar o Brasil, seja para mudarmos de voto, já que o PT vai para o seu quarto mandato consecutivo, seja para mudarmos de atitude, uma vez que mais uma vez querem se isentar da responsabilidade transferindo esta responsabilidade para o outro. De quem é a verdadeira ignorância? A resposta nessa ponto já se torna retórica.

A premissa básica das ciências políticas é a de não qualificarmos votos. Se um candidato é eleito, é porque boas propostas e propósitos foram apresentados para o povo. Se esse candidato foi reeleito, mais do que isso, ele fez algo verdadeiramente bom para a maioria da população que se propôs a ir a urnas. É totalmente estúpido dizer que quem vota em certo candidato é, por exemplo, burro. Ter opiniões divergentes é o que move a democracia e enriquece o debate e, por isso, não devemos empobrece-lo. Em analogia livre, se eu tenho 1 real e você tem 1 real, juntando, temos dois reais e podemos fazer bom uso. Porém, o que se vê, é que preferimos enxergar o mesmo 1 real do outro como não tendo valor e, para demonstrar isso, jogo o meu 1 real fora na esperança do outro fazer o mesmo. Querendo ou não, o peso do voto é igual para todos, não importa se o indivíduo é branco, negro, índio, rico, pobre, classe média, homossexual, heterossexual, crente, ateu, velho, novo, ser de peixe ou touro, ter nascido ou sul ou no nordeste.

O Brasil é um país plural, multicultural, moderno, bonito e com muitos problemas a serem resolvidos. Com tantas culturas e pensamentos distintos, a democracia que nos rege é uma benção e melhor solução política. Porém, é importante salientar que democracia é diferente de humor, que é diferente de crítica, que é diferente de insulto. Esses quatro pontos em algum momento sempre vão se interceptar, porém, nunca serão sinônimos. Vamos deixar cada um em seu quadrado.

Sou nordestino, mas acima de tudo eu sou brasileiro. Pessoas que conheço desde criança, que tiveram a oportunidade de formação intelectual que eu tive, seja por causa do contexto social em que estamos inseridos ou por estudarmos no mesmo colégio na infância, têm o direito de ter pensamentos diferentes do meu. Só gostaria de lembrar que hoje em dia nas redes sociais quando você fala direcionado a um, você fala pra um milhão. Aproveito para lembrar o artigo 5º de nossa Constituição em que diz que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". A regra é clara e você pode responder legalmente por seus atos. O nome disso não é censura, são apenas direitos básicos.

De ontem para hoje muito se falou até sobre dividir o país em dois. Reconheço que quem está propaganda isso, seja novamente por indignação com o resultado das eleições ou seja por tentativa de sugerir uma solução motivados pela decepção com a reações das pessoas, por se sentirem vencedoras ou derrotadas, está motivada pelo calor do momento. Mesmo assim, considero isso de uma lástima sem tamanho, mesmo que seja originada irracionalmente pelos turbilhões de acontecimentos, ações e reações. Para vermos a infelicidade da proporção desta "alternativa", basta olharmos na história o quão lamentável isso é. Hoje temos duas Coreias que viram as costas para seus irmãos que vivem do outro lado de um mesmo território. Tivemos, também, duas Alemanhas que separadas sofreram por diversos motivos e que hoje, de maneira reunificada, se mostra mais forte que antes, admitindo, pasmem, o seu lado geográfico mais pobre economicamente. Felizmente o Brasil, apesar dos pesares, é um só e não é possível virar as costas para si mesmo.

Vejo que a presidente eleita tem a missão de fazer com que todos os brasileiros se sintam representados por ela. Concordando ou não, ela foi eleita democraticamente e ninguém pode passar por cima de nossa democracia a duras penas conquistada. Ela é a nossa representante máxima, mesmo que você não tenha votado nela. Não estou dizendo para não haver oposição. Deve haver oposição. O sistema em que vivemos é tão bom que podemos usar o próprio sistema para mudar o sistema. O PT vai continuar querendo se perpetuar no poder? Sim. Mas que partido no poder assim não o faria? Só espero que o PT não faça censuras as críticas e denúncias feitas contra seus políticos, mas aí já é outra história.

Retomo o estado de estádio de futebol em que presenciamos. Também não estou querendo que o brasileiro deixe de ser como é em suas demonstrações de emoção, o lado da zoeira. É fácil reconhecer que uns se exaltaram mais que os outros em seus posicionamentos. Cito aqui o Lobão, músico que fez muita polêmica em cima das eleições. Ele é uma pessoa pública que se sujeitou a enxurrada de chacotas que recai sobre ele neste momento. Todavia, não é justificável a irracionalidade do insulto, tanto a pessoas do nosso convívio, quanto a pessoas comuns que sequer conhecemos suas histórias de vida para subjugarmos. Se assim continuamos fazendo, estamos apenas demonstrando nosso lado mais primata.

Quanto as amizades que você desfez durante a campanha, ainda da tempo de reconhecer seus equívocos e/ou perdoar quem você acha que te ofendeu. Porém, gostaria de lembrar que os caras que estão lá em cima não se importam em quantas amizades que você deixou de lado, as farpas que foram trocadas e as tensões que foram criadas. Quem ta lá em cima só se importa com você e suas amizades quando eles perdem nossos votos. O que estou dizendo não é demagogia e não precisa ser tão esclarecido para saber disso.

Para falar de política gostaria que as pessoas discutissem e debatessem pontos políticos, que na verdade foi o que menos vimos. Senti falta de senso crítico das pessoas ao postarem seus pontos de vista, por exemplo tópicos básicos como as quantas andam a economia do Brasil e do mundo no contexto atual e qual seria a melhor solução para o atual panorama em que vivemos. Enquanto continuarmos assim resumindo a população na "esquerda caviar" e na "direita coxinha", o voto não passará de um ato de fé que se aproxima muito mais do irracional do que do científico. Porém, nesse ritmo, a vida por aqui será a verdadeira linha tênue entre ato de fé e ato de coragem de viver. 

***

Considerações finais:

Finalizado o meu raciocínio aí em cima, gostaria de lembrar alguns outros pontos. Em 2018, o Brasil completará mais um ciclo de 4 anos de mandato do PT, chegando ao todo a 16 anos. Goiás vai completar 20 de PSDB (com o período de 2006 a 2010 sendo mandato do candidato do PP Alcides Rodrigues, que teve sua candidatura alavancada pelo tucano Marconi Perillo). E São Paulo vai para incríveis 24 anos com PSDB no poder. Acho que passou da hora da democracia respirar um pouco o alívio da alternância.

Para a presidente Dilma Rousseff eu tenho reservada inúmeras críticas. Tenho certeza que não sou o único. Quanto a sua gestão, posso sugerir leituras clicando aqui, aqui e aqui. Não vou, porém, me adentrar em polêmicas como a corrupção, uma vez que isso já não seria novidade para ninguém e estamos saturados disso. Também não vou entrar nos seus méritos, acredito que ela gastou muito tempo de sua campanha eleitoral para falar sobre isso quando não queria mais falar mal de seus oponentes, então, eu não vou fazer essa propaganda. Todavia, eu desejo do fundo do meu coração, enquanto brasileiro, que ela faça o melhor mandato de todos os tempos de nossa história e que possamos, finalmente, nos aproximar de sermos o país do presente. Eis aqui meu ato de fé.

Finalmente, espero que todo mundo possa acalmar os ânimos e se unir em torno da causa maior que é o Brasil. Mais uma vez quero lembrar que o Brasil é feito de brasileiros e que nós podemos mudar isso tudo. A sugestão é começar a mudando de atitude. Talvez todo dia antes de dormir, cada um podia refletir "eu fiz algo hoje para mudar o Brasil?" ao invés de apenas reclamar na internet ou depositar sua fé em indivíduos tão iguais, falhos e brasileiros como nós. Nesse caso, acredito que a racionalidade é a melhor saída. Espero que eu possa refletir sobre isso mais tranquilo antes de dormir também ao invés de ficar inquieto e perder o sono.

Mas, por enquanto, malfeito feito.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

As plantas curam


Há um pouco mais de um ano atrás eu tirei uma sequência de quatro fotos parecidas, com a diferença de poucas frações de segundo em que as cores das luzes monocromáticas se alteravam. Essas luzes faziam parte da composição do palco secundário do festival Bananada no Centro Cultural Oscar Niemeyer, uma espécie de palco Sunset do Rock in Rio, versão Goiânia. O que tem de especial para mim? Nesse momento, mais de um ano depois, muita coisa.

Pessoalmente, na época, era um momento difícil da minha vida. Peguei uma câmera e decidi fotografar o fim de tarde no CCON durante o Bananada para simplesmente me distrair. Aproveitaria para fotografar o primeiro show da noite. Seria o primeiro show de muitos outros do Boogarins que eu iria ver ao longo desse mais de um ano. Eu havia conhecido Boogarins por intermédio de uma amiga que mandou o link de algumas músicas. Achei incrivelmente agradável e diferente de tudo o que eu havia ouvido de bandas novas. Depois a surpresa foi ainda maior por saber que a banda era goiana. Ela, então, me disse que eles tocariam no Bananada e eu fui conferir com a máquina fotográfica emprestada.

Na edição seguinte do Bananada, já no ano de 2014, muita coisa mudou em minha vida. Para melhor. Não sei se por esses motivos inexplicáveis de destino, acaso, sorte, aventura ou desventura, lá estava eu de novo de frente com os Boogarins no mesmo festival, no mesmo CCON. Porém, dessa vez, eu não era apenas um fã com uma máquina no meio de poucas pessoas. Agora eu era um fã que fazia parte da equipe que estava registrando o show deles oficialmente com gravação do vídeo que está no final do texto. Dessa vez eles não abriam o dia de shows com poucas pessoas na plateia em relação as bandas posteriores. Eles agora eram uma das atrações principais e contavam com uma multidão só para eles que já sabiam as principais letras de cor.

Nessa oportunidade eu descobri que aquele show do longínquo 2013 (é piegas, mas depois de reviravoltas positivas, parece que a gente viveu dez anos em um só) era apenas o terceiro show da carreira deles. Com muita destreza, talento, ousadia e oportunismo, eles souberam aproveitar as portas que se abriram no caminho de lá até aqui. Engataram turnês pelos Estados Unidos e Europa, mas encontram Goiânia Rock City um porto seguro. Colecionam vídeos no YouTube, publicações em jornais, portais e blogs em diversos lugares do mundo e principalmente fãs. E o mais legal de tudo é que eles têm a mesma faixa etária que a minha, o que apenas aumenta a inspiração de acreditar que é possível realizar sonhos, por mais improváveis que pareçam.

Aqui, nesse momento, só tenho que agradecer. Primeiramente a minha amiga Maria Angélica por me apresentar a banda e me convidar para ir naquele show. Também, ao meu amigo Larry, que tive a honra de conhecer nesse período entre festivais e que me colocou dentro de esquema da gravação. Toda a equipe que participou da filmagem, produziu e coordenou tudo para que desse certo. Todos me ensinaram pra caramba. E, claro, agradecer o Benke, Hans, Dinho e Raphael, os quatro cabras que compõem o Boogarins.

O título é uma referência ao primeiro EP deles, "As Plantas Que Curam". De certa forma, toda essa linha do tempo entre 2013 e 2014 é algo que foi curado por plantas invisíveis desses felizes acasos, ou seja lá o que forem, que me colocaram no caminho deles em um momento tão especial para mim. Quando peguei a câmera para tentar sair de uma fossa e ver os resultados das fotografias, não sabia que tanta coisa boa iria acontecer. Bom, aconteceu. E em meu voo eu vou sem aterrizar.


sábado, 21 de junho de 2014

O Gato


Uma temática constante que me faz retornar a escrita de relatos pessoais é a experiência de morar só. Viver, por si só, já é algo fascinante, incrível e intrigante que dá pano pra manga pra diversas áreas do conhecimento, seja filosofia, psicologia, comunicação, medicina, biologia ou qualquer outra que você queira interpretar. O ponto de eu analisar aqui a vida - de maneira superficial e leviana, é verdade - é justamente a presença da vida por si só. Vou logo ao título antes que pensem que fumei muita maconha antes de começar a escrever.


Desde que me mudei para esse apartamento de número 202, no bloco E do meu condomínio no Setor Bueno, em Goiânia, já recebi visitas, morei por algum tempo com outra pessoa, tive experiências que marcaram pra sempre minha vida. No momento eu acho que estou vivendo a maior de todas. 

Há poucos meses voltei a morar só. Assim como nos outros momentos anteriores em que morei só, tentei colocar mais vida no apartamento. No meu quarto é possível encontrar na parede fotos de viagens que fiz, de amigos e familiares, algumas fotografias adquiridas, outras mais experimentais, além dos recortes de publicidades e matérias de revistas velhas coladas de maneira aleatórias em cartazes. Também já me aventurei a criar plantas duas vezes, dessas baratinhas que você compra em qualquer supermercado ou floricultura que vêm em vasinhos práticos. Tive um peixe beta, que sobreviveu por mais de 1 ano e meio sob meus cuidados. Fora as plantas, o peixinho e as visitas, ora pessoas, ora baratas voadoras, geralmente sou eu e meu mundo de fotos e recortes.

Primeira vez que vi Bilbo por fotografia.
Uns dois anos atrás, um amigo meu resgatou um gato, ainda filhote, de ataque de cachorros na porta de sua casa. Ele estava bem doente e não poderia ficar na casa dele. A alternativa foi trazer o pobre bichano aqui para o meu apartamento. O batizei de Adoniran. Era um domingo e fiquei com ele a tarde e a noite inteira ao lado de sua caixa de papelão. Ele estava muito assustado e com diarreia por causa da doença. Infelizmente o encontrei morto no dia seguinte antes de sair para ir trabalhar.

Isso foi um trauma muito grande para mim. Por mais que não fosse minha culpa, tinha ficado a sensação de fracasso e o sentimento de que uma vida tinha sido perdida dentro da minha casa. Desde então quis muito superar isso, mas sempre me faltou coragem, por mais que as oportunidades nunca sessassem. Recentemente surgiu a proposta de uma pessoa muito especial de que eu ficasse com um dos filhotes que a gata dela teve. Por todo o contexto o convite já era atraente. Quando vi a foto daquele pequeno gatinho, a proposta se tornou irrecusável. De cara dei o nome de Bilbo, mesmo sem ainda tê-lo aqui em casa. O nome foi em homenagem ao hobbit Bilbo Bolseiro, famoso nas histórias da Terra Média de Tolkien.

Antes de trazê-lo, gastei nada mais, nada menos, que 180 barões para colocar tela nas janelas do apartamento. Comprei a areia pra ele fazer caquinha e o pipi, além da ração. Esses gastos iniciais já me fizeram começar a me arrepender da decisão. O mesmo amigo que me deu o Adoniran conversou muito para eu repensar a ideia. Porém, a decisão já estava tomada e ele foi comigo buscar o Mr. Bilbo. Foi amor a primeira vista.

Minha primeira foto com Bilbo.
Aquela criaturinha pequena, chorosa, medrosa, querendo colo ao mesmo tempo que queria correr aflorou sentimentos por animais que nunca pensei que eu tinha. Já no primeiro dia ele teve visitas. Na primeira semana comigo ele teve um quarto só para ele, o que me fez me sentir generoso e um bom dono por dar um comodo inteiro só para ele. Antes de sair para o trabalho sempre ficava com ele alguns instantes no quarto, limpando a remela que impedia que ele abrisse direito os olhinhos. Doía o coração de ouvir ele miando quando eu saia de casa.

Hoje faz um mês que ele mora comigo. Ele já está com quase o triplo do tamanho que tinha quando chegou. Eu percebi a minha ingenuidade quando me achei muito legal em dar um quarto só para ele, pois agora a casa inteira é dele. As visitas também são para ele. O melhor canto do sofá é dele. Em um mês deu para termos nosso momentos de crise. Ele me pune sempre com severos arranhões e mordidas em partes diversas do corpo. Isso fortalece a amizade também. 

Enquanto escrevia esse texto, ele não acordou sequer para dar uma revisada. Mas é a magia dos felinos. É mais fofo que qualquer bichinho de pelúcia. É mais esperto do que eu, mesmo tendo tão pouco tempo de vida. É mais independente e astuto também. É a melhor companhia que eu poderia ter. Eu posso estar fazendo nada e ele com vontade de fazer nada além de dormir ou brincar com bolinhas de papel, mas ele faz questão de fazer isso onde eu estiver. Se estou deitado, é no meu colo, peito, barriga ou barba que ele quer  se deitar também.

Modéstia à parte, escolhi certo o nome do Bilbo. Ele é como o personagem d'O Hobbit. Preguiçoso, guloso, boa vida, simpático, engraçado e de uma coragem surpreendente. Todos gostam do Bilbo e o Bilbo gosta de estar com todo mundo. Eu amo esse gato. Em um mês de convívio eu não consigo me ver morando sem ele. Espero que nossa amizade dure anos e anos e que tenhamos muitas histórias para contar. Viver, por si só, já é algo fascinante. Principalmente se você for um gato.
Bilbo sendo gato.

Bilbo e sua soneca vespertina na minha perna.