domingo, 13 de setembro de 2015

Um texto


Um texto sóbrio sobre drogas.

Um texto imparcial sobre política.

Um texto sem amor de mãe para filho.

Um texto sem paixão sobre futebol.

Um texto sem mãe puta sobre juiz de futebol.

Um texto sem roubo sobre Flamengo e Corinthians.

Um texto sem machismo sobre homem.

Um texto sem beleza sobre mulher.

Um texto lento sobre Bolt.

Um texto rápido sobre justiça.

Um texto sem ódio sobre injustiça.

Um texto sem tesão sobre sexo.

Um texto esclarecido sobre sexualidade.

Um texto sem alienação sobre TV.

Um texto sem vício sobre smartphone.

Um texto sem futuro sobre criança.

Um texto sem criança sobre catolicismo.

Um texto sem humildade sobre Francisco.

Um texto sem água sobre Velho Chico.

Um texto racional sobre ciúme.

Um texto do bem sobre Bush.

Um texto sem batida sobre percussão.

Um texto com “r” soble Cebolinha.

Um texto sem polêmica sobre mamilo.

Um texto novo sobre idoso.

Um texto raso sobre fundo do poço.

Um texto profundo sobre 100 metros rasos.

Um texto sem reflexão sobre existência.

Um texto filosófico ignorante.

Um texto sem conspiração sobre fatos históricos.

Um texto feliz sobre falta de sorte.

Um texto alegre sobre morte.

Um texto livre na Coreia do Norte.

Um texto inteligente sobre limite do humor.

Um texto sem briga sobre família.

Um texto sem guerra sobre Israel e Palestina.

Um texto animado sobre a situação econômica do Brasil.

Um texto engraçado no Zorra.

Um texto antigo sobre hoje.

Um texto sem crase sobre contração.

Um texto de primeira sobre segunda-feira.

Um texto psicológico sobre hiperatividade.

Um texto sem verbo sobre criatividade.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

A utopia do Fusca laranja

Nos idos de 2011 eu estava para completar 18 anos e esperava o resultado do vestibular. Na esquina de cima do meu prédio havia um simpático Fusca de cor laranja, com bancos de couro branco e ano de fabricação, se não me engano, 1974. Eu só saberia essa informação do seu modelo ser o de 1974 por um ou dois papéis de "vende-se" afixados nos vidros do carro, porque, pra ser sincero, não entendo muito de Fusca além de, na minha cabeça, ser o mais simpático dos carros. Também não entendo muito dos outros carros além do que vejo no programa de carros que passa domingo de manhã na Globo. De tanto o ver disponível do mercado com aquela cor bonita e brilhante e com os bancos de couro branco estilizados, eu passei a ter três sonhos: passar no vestibular, tirar a carteira de motorista e ter aquele Fusca.

Os dias se passaram, fui aprovado no vestibular, fiquei careca, meus cabelos cresceram num ritmo mais lento do que eu esperava (mas cresceram), fiquei cabeludo novamente na medida do possível e ainda não havia tirado minha CNH, muito menos chegado perto de adquirir o Fusca que teimava em permanecer em minhas vistas quase todos os dias.

Como a maioria dos meus amigos chegavam a maior idade e já iam direto para a autoescola e posteriormente, se não ganhavam seus próprios carros, tinham algum na garagem para dirigir pra lá e pra cá, eu me sentia inferiorizado. Afinal, que garota se sentiria confortável de sair e namorar com um cara sem carro?

Faltando exatamente um dia para eu completar 19 anos, eu fui aprovado na prova de volante na primeira tentativa, cometendo apenas uma infração. Fiquei muito feliz. A CNH veio - sem posts comemorativos no Facebook -, mas o Fusca laranja não. Com o tempo o Fusca desapareceu da esquina de cima do meu prédio e provavelmente faz a alegria de um novo dono ou do dono que desistiu da ideia de vender aquela preciosidade.

Com os dias também me veio uma outra consciência. A autoestima por não ter um carro não mais ficou abalada. Do dia em que recebi minha primeira CNH até hoje não passam de duas dezenas o número de vezes que fui ao volante. Nos últimos 730 dias dirigi apenas duas vezes. Não sou o que pode ser chamado de motorista experiente, mas das vezes que encarei o mundo dos automóveis eu não entendi mais a minha antiga tara por dirigir, tendo em vista um mundo de tanto estresse depois de um dia igualmente estressante de trabalho, com buracos, barbeiros (coitado dos barbeiros por terem sua profissão associado aos maus motoristas), riscos e combustível com valores surreais.

Não sou quadrado a ponto de não saber que existe todo o conforto de você ter um banco acolchoado só para você, ar condicionado na maioria dos casos hoje em dia, uma música tocando, a liberdade de poder usá-lo no horário que bem entender para as rotas que você escolher, a sensação de controlar uma máquina e tê-lo em casos de emergência. Mas quando me lembro que o carro surgiu com a incrível função de levar alguém do ponto A ao ponto B (creio que não deixou de ser sua principal função), mesmo para os que acreditam que surgiu como um instrumento de dança do acasalamento em um sinal de pura virilidade, ou ainda para ser um iPod gigante impositivo de músicas eletrônicas e sertanejas, me parece que todos os confortos são mais propagandas que levam ao vício do que necessidades.

Essa semana eu já vinha discutindo isso pela enésima vez. Talvez seja o meu Eduardo Jorge feelings, mas vejo outras formas de mais vantajosas de me locomover do ponto A ao ponto B. Goiânia, por mais que não seja uma cidade estruturada para os ciclistas sem as sinalizações e demarcações necessárias, é uma cidade com uma topografia relativamente plana, o que favorece ao ciclismo. Moro em uma boa localização relativa aos meus trabalhos, lazeres e necessidades de serviços. Tudo isso possibilita que grande parte dos afazeres da minha rotina sejam possíveis de serem feitas a pé ou de bicicleta. Para distâncias mais longas, desfruto do Passe Livre Estudantil disponível em Goiás. Mesmo na época em que não havia o passe livre, a passagem de ônibus para estudantes saía pela metade do preço (claro, essa "metade do preço" seria, na verdade, o máximo que deveriam cobrar da população em geral). Por fim, em casos mais urgentes ou em horários que demandam maior atenção com a segurança, o táxi se torna a alternativa tendo em vista que, por mais que seja um serviço com um preço mais salgado, com a frequência de uso se torna completamente viável.

Tabela retirada da reportagem "Vou de carro? do jornal Valor Econômico do dia 29/04/2015
Por conveniência e coincidência, o jornal Valor Econômico desta quarta-feira trouxe na matéria "Vou de carro?" um estudo sobre o quanto custava usar um carro na cidade de São Paulo, levando em conta fatores como depreciação, combustível, licenciamento, seguro, IPVA, manutenção e estacionamento. Para efeitos de comparação, São Paulo é uma cidade dez vezes maior que Goiânia, com um custo de vida mais alto, mas o parâmetro é válido e totalmente palpável. Peguei para fazer os cálculos algumas rotinas de trabalho de algumas pessoas como exemplo. Um dos custos que calculei, juntando o valor de se manter o carro que percorre em média 22,5 km por dia útil com o valor do próprio veículo, daria algo em torno de quase R$4 mil reais por mês. No mês de abril eu gastei R$36,00 com transporte ao pegar um táxi. 

Na minha lógica, ter um carro é como ter um filho. Se você é pai ou mãe de dois filhos e dá para eles um automóvel quando eles completam 18 anos sem que eles tenham condições de arcar com as despesas, você está comprando para si dois netinhos com pais que saíram para comprar cigarros e nunca mais voltaram. Ou seja, assim que seus filhos viram adultos, você vive a nostalgia de ter despesas com crianças outra vez, mas que bebem gasolina ao invés de beberem leite com Toddy.

Não estou demonizando uso de carros. Essa é apenas uma análise que carro ainda não faz muito sentido na minha vida. É verdade que sou um homem branco de classe média, que mora em um dos bairros mais estruturados de uma metrópole e que tem um tipo de necessidade que pode ser atendida de outras formas com relativa segurança e comodidade. É verdade também que o transporte público que percorre o asfalto cheio de buracos daqui não é muito diferente em qualidade do que o conteúdo que corre nos esgotos da cidade. Não nego que em dias de chuva é deprimente percorrer do ponto A ao ponto B de ônibus, a pé ou de bicicleta (paro para lembrar que Goiânia não é uma cidade que pode se chamar de chuvosa, principalmente durante os nossos 6 meses de seca anuais).

Mas será que muitos outros que usam carros têm uma necessidade tão diferente da minha? Será que não usam carro com mesmo costume (ou TOC) que optam pelo elevador ao invés da escada? Será que não ficaram viciados em percorrer distâncias estupidamente curtas queimando combustível e poluindo o ambiente, não só com gases, mas também com barulhos e ocupação espacial?

Quando saio a pé do ponto A ao ponto B, dependendo do tempo que tenho disponível, paro para descobrir Goiânia. Sempre há novas rotas, novas percepções, novas arquiteturas, novas árvores, novos pensamentos, novas inspirações. Sei que esse tipo de consciência não surgiu de maneira espontânea, foi fruto de, talvez, querer uma coisa e não poder tê-la Mas que bom que um momento eu parei para pensar "por que eu quero ter um carro mesmo?". Sei que há pessoas e famílias que têm condições de manter esses carros, as vezes com um carro pra cada membro da família, sem que seja um grande rombo no orçamento. Mas sei também que muitos sentem no bolso o luxo que é ter um carro, seja por necessidade ou status.

Um dia, quem sabe, terei um carro. E quem sabe esse carro não possa ser um Fusca laranja parecido com o que eu via na esquina. Não sei dizer. Mas nesse dia espero continuar com a mesma consciência e não fazer uso de maneira desenfreada e inconsequente. Até lá, continuarei pegando ônibus, indo a pé, pedalando ou de táxi. Também sou aquele ótimo amigo que quando for o caso de uma carona, racho a gasosa e o estacionamento. 

Só considero que pensar um pouco sobre o assunto e mudar as atitudes é mudar o mundo. Afinal, a mudança está nas atitudes e não nas utopias de sonhos mal sonhados.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Presente e liberdade criativa

Quando eu era criança, muitas vezes eu ia a festas de colegas da escola e não podia levar presente ou levava presentes mais baratos, como roupas. Como criança, eu adoraria presentear com brinquedos sofisticados da moda, já que comercialmente era o que eu mais via e, consequentemente, eram mais caros. Mas as nossas condições financeiras não eram favoráveis para esses "mimos" do consumo. Eu ficava imaginando que não dar um presente ou dar roupas seria um insulto (apesar de eu mesmo adorar ganhar qualquer coisa quando alguém resolvia me presentear, até mesmo produtos de 1,99 do camelô), mas minha mãe fazia questão de salientar "presente é presença".

De fato, presente é o aqui e agora. É o que você fala na hora da chamada na sala de aula (dependo da idade real ou mental, se fala também "presunto", "presidente", entre outras variações mais alternativas). Presente é o tempo verbal que simboliza ação, estado ou fenômeno natural que está acontecendo neste momento. Não quero divagar sobre os amplos significados que a língua tem para a palavra "presente". Vou defender, com três acontecimentos, a tese de minha mãe que para mim, quando criança, não passava de uma demagogia, por mais que naquela época eu não soubesse sobre a existência da palavra demagogia e seu significado.

1) Certa vez, um amigo foi em minha casa para deixar umas camisas que vendíamos para os calouros de Publicidade. Ele vestia uma camisa vermelha e gasta do Radiohead. Quando terminamos os nossos negócios, eu comentei "engraçado, ontem mesmo eu tinha falando no Twitter que meu sonho era ganhar uma camisa do Radiohead e hoje você está usando uma". Meu comentário estava despido de pretensões maiores que pontuar o acaso da coincidência. Para a minha surpresa, ele tirou sua velha camiseta, pegou uma das que estavam sobrando das vendas para os calouros para se vestir e me entregou a que era dele dizendo "pode ficar com ela, já passei momentos inesquecíveis usando essa camiseta e acho que você poderá fazer um melhor proveito dela agora e honrá-la" ou algo próximo disso.

2) No meu aniversário há 2 anos, em uma quarta ou quinta-feira, eu não queria comemorar, queria apenas assistir ao jogo do Fluminense pela Libertadores nos tempos em que meu time ainda gostava de disputar a competição continental. Porém, com um pouco de insistência de alguns lados, resolvi topar de ver o jogo em um bar com alguns amigos. Fui surpreendido com todos os tricolores presentes estando devidamente uniformizados, com a presença de amigos não tão fanáticos por futebol assim e até por flamenguistas. O ponto alto foi um amigo santista fazer questão de pegar uma camisa emprestada para também estar na torcida pelo Fluminense e de eu também ser presenteado com um bolo com o desenho do escudo do time na cobertura. Para completar, o Fluminense fez uma partida razoável e venceu o jogo.

3) Em uma viagem em 2013 para São Paulo fiquei hospedado na casa da minha irmã. A intenção era simplesmente aproveitar para ficar mais próximo da parte carioca-paulistana da minha família enquanto eu fazia outras pendências do momento. Paramos para organizar algumas coisas e meu sobrinho, então com 4 anos, resolveu que queria porque queria me presentear. Ele trouxe para mim um palhacinho da dupla Patati Patata que até hoje não sei qual que é, mas o batizei de Patati-Patata.

Há um sem número de casos que poderia exemplificar aqui de presentes e pessoas. Sobre a primeira história, tenho e uso a camiseta dada até hoje, honrando sua história anterior a mim e adicionando outras novas. O alegre Patati-Patata está na minha escrivaninha fazendo companhia a outros adornos e a mim mesmo quando estou fazendo uso do ambiente, como agora. Da segunda história, como era de se esperar, não sobrou o bolo com o símbolo do Fluminense, que foi muito bem consumido, restando apenas fotos de recordação daquele dia, duas delas afixada na parede do meu quarto.

Mas, muito mais do que isso, esses presentes são inesquecíveis pelas pessoas que fizeram parte deles. O diferencial foi a atitude de quem estava lá comigo naquele instante, dividindo seu tempo, sua história e se desfazendo de parte de sua vida para me dar. O verdadeiro presente que ficou foi quem estava presente e era o que de fato o que eu mais queria e que todos queremos em diversos momentos de nossas vidas.

Piegas? Talvez. Mas ninguém pode discordar de que ou minha mãe tinha razão ou a lavagem cerebral dela foi muito boa.

Nesse ponto chego a tal da liberdade criativa. Uma coisa que não mudou muito dos meus tempos de criança para os tempos de hoje foi a minha impossibilidade de poder comprar sempre o que eu realmente gostaria de dar de presente. Muitas vezes é pela falta de dinheiro. Outras vezes é pelo constante ponto de interrogação que surge na hora de decidir o que dar de presente. É quando faço uso de toda a minha liberdade criativa.

Parêntese. Diferente das outras formas de liberdade, como, entre outras, a de expressão (no Brasil não existe), de imprensa, de religião e até mesmo a tal liberdade do Só Pra Contrariar, a liberdade criativa é algo que ninguém pode tirar de mim, somente alguma enfermidade que eu ainda não marquei hora para ter. A liberdade criativa está dentro de mim e não há nada que possa censurar.

Busco inventar presentes, recortes, junções de coisas baratas monetariamente mas que façam sentido. O presente material, mesmo sendo baratinho, é um exercício "mutualístico" para descobrir o outro e me descobrir dentro do outro. Do que ele gosta? Qual sua cor preferida? Quais suas preferências de repertório? Principalmente, qual é a sua necessidade? Um livro? Um tênis para jogar tênis? Palavras soltas? Uma companhia para ir ao bar molhar o verbo em conversas filosóficas fúteis ou futilidades filosóficas? Uma dedicatória sincera?  Um objeto que sirva de lembrança pra vida toda?

Me divirto tentando fazer isso. Me desespero também. Eu sei que é um tanto quanto egoísta e que posso errar na mosca na melhor das intenções. Muitas vezes eu não consigo fazer nada e me limito as minhas sinceras felicitações. Para você que eu errei, me desculpe, do fundo do meu coração. Se ainda não te agradei, prometo um dia me esforçar mais para chegar lá. E isso não é nenhuma indireta para ninguém, porque eu realmente apenas desconfio das grandes chances de erro em que me expus. Inclusive, se você ler isso e se identificar, for essa pessoa para quem cometi uma grande gafe, pode vir falar diretamente comigo.

Metáfora de futebol: a sorte é que as vezes a gente está com a bola na lateral do campo, faz o cruzamento e acerta diretamente no gol, surpreendendo o goleiro. É claro que depois do jogo eu vou falar que minha intenção era acertar o gol, o que não é mentira, mesmo que algumas etapas tenham sido puladas.

Voltando a parte do presente, várias vezes eu também errei nessa filosofia e não me fiz presente por uma razão ou outra. Infelizmente é algo típico e esperado de mim. Somente esse semana eu não fui ao aniversário de um amigo (me desculpa, Fred), talvez eu não vá em outro de uma amiga (me desculpa, Bibi). Também não fui na colação de grau de uma grandessíssima amiga, momento realmente único de sua vida brilhante que por uma razão ou outra não me fiz presente. Me desculpa, Bia. E isso tudo não quer dizer que eu não goste de ganhar presentes comprados em lojas de diversos tipos. Eu adoro ganhar presentes. Mas que eles venham acompanhados de um pouquinho do presenteador, se não for pedir muito.

De qualquer forma, usei de minha liberdade criativa e dedico esse texto a todos que entendem esse universo. Assim me faço presente de algum modo.