sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A Menina e Riozinho

“Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois como as águas, nós mesmos já somos outros”.
(Heráclito de Éfeso)


Era sua primeira vez naquele lugar. 
E que lugar!

Quantas casas esquisitas e engraçadas. 
Parecem bonitas... 
São bonitas. 
Não, não. São lindas! 
E esse piso de pedra pra todo canto? 
Por que não igual o que passa lá de casa? 
Olha esses velhinhos. 
Olha esses fuscas! 
A lambreta do vovô deve ser daqui. 
Que igrejinha grandona... 
Deve ser de quando os velhinhos eram criancinhas que nem eu. 

Tá bom, mãe, já vou.
Pra onde a gente tá indo?
Tá chegando?
Tá chegando?
Tá chegando?
Uaaaau.
Quantas árvores.
Quanto colorido.
Que céu azulzim.
O sol tá quentim.
Tá chegando? Tá pertim?
Tá lonjão?

Que vento gostosim!

De onde vem esse barulho de água?
Tá aumentando...
É pra lá que a gente vai?
UAAAAU!
Que riozinho bonitão.
Será que pode pular?
Eu vou pular.
Um-dó-lá-sí-e-já!
TIM-BUM!
Volta aqui, menina!

Vem cá me pegar!
Que água geladinha.
Que delícia de nadar!
Na água desse riozinho 
Que pra sempre vou brincar!

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Vida sem legenda

Me chamo Anderson. Ou Rafael. Depende do nosso grau de intimidade, do ciclo social que compartilhamos, de como fomos apresentados ou como quis me apresentar na hora que nos conhecemos.

Tenho 23 anos. O que quer dizer que sou jovem, tenho uma vida inteira pela frente para arriscar, aproveitar, viver meus sonhos. Mas não jovem demais para ser prodígio em algum talento, já que, se assim eu tivesse, provavelmente já teria sido apresentado ao mundo. E muito menos tão jovem para que eu não comece a me preocupar de verdade com a vida adulta.

Sou homem, heterossexual, branco, sis, solteiro, sem filhos, empregado e assalariado, bacharel em Comunicação Social. Posso ficar falando diversas coisas que ajudam a me definir. Ou melhor, me legendar. Isso porque não falei dos meus atos. Restringi-me apenas ao ser e estar e não entrei nos méritos do fazer.

Vejo que seria muito mais interessante conhecer as pessoas perguntando o que elas comeram no almoço, ou porque ela está vestida de camisa florida, ou ainda porque ela fez uma tatuagem de um idoso no bíceps, ou o que ela acha sobre o Frodo ter aceitado a missão de levar o anel para a Montanha da Perdição na Sociedade do Anel. 

Ao invés disso, perguntamos nome, idade, profissão, talvez até tecemos algum elogio, indagamos qual time o outro torce e queremos saciar a curiosidade de como encontramos tal pessoa naquele momento e naquele lugar. E assim começamos uma relação legendada.

Isto não é uma crítica, nem uma proposta para mudança de comportamento. Estou apenas “legendando” o que é mais comum acontecer. Porém, não seria mais interessante perguntar qual foi a melhor coisa que a pessoa já fez na vida, por exemplo?

É, talvez seria meio assustador e mais inusitado. Ou mais assustador e meio inusitado. Não tenho certeza.

Este tipo de padrão também acontece na necessidade que algumas pessoas têm de definições mais esclarecidas. Por exemplo, o Carlos do RH é amigo o suficiente para ir ao aniversário de dois anos da minha filha ou é apenas um colega que posso chamar no máximo para o futebol da firma? Será que posso apresentar a Ritinha pros meus pais, afinal, só tem dois meses que a gente sai, e será que apresento como namorada ou como amiga? Já faz dois anos que terminei com o Rogério e ainda nos falamos, mas será que tá certo ser amigo de ex? Será que estou novo demais para pensar em carreira e futuro? Será que estou velha demais para largar tudo e viajar pelo mundo? Será que sou mesmo tosco de ir ao shopping calçando Crocs? 

Não precisamos realmente definir como fator decisivo para fazer um convite quem é colega, amigo, amigo de infância ou ainda melhor amigo. Nem querer definir rapidamente relações afetivas. E quando relações chegam ao fim de um ciclo, não temos que colocar a pessoa em caixas tão bem definidas do que ela será daqui para frente. Ou ficar definindo todos os passos da vida por conta da idade. Muito menos temos que nos cobrar (ou cobrar as outras pessoas) legendas para facilitar a nossa leitura do mundo, porque, no fundo, não ajudará muito mais do que já estamos vendo.

Quanto ao caso Crocs, prefiro não opinar.

Entre as legendas das definições enlatadas e os chuviscos dos ruídos indefinidos, fico com a segunda opção. Vou sem pressa para chegar à sintonia dos cristalinos canais em HD da vida. Inclusive, os fantasmas na tela são bem-vindos até lá.