quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Saí do Instagram. E daí?

No dia 28 de outubro de 2018, um fato histórico mudaria para sempre o destino do Brasil: eu desativava, por volta das oito da noite de Brasília, a minha conta de Instagram. Coincidentemente, mais ou menos no mesmo horário, mas muito menos relevante, era eleito o novo presidente da República Federativa do Brasil, porém, não vamos falar sobre trivialidades neste espaço, vamos nos ater apenas o que é relevante para a reflexão sobre a evolução da humanidade.

O fato é que o fato de eu sair do Instagram foi amplamente e solenemente ignorado por todos os grandes portais de notícia, tais como Ego e O Fuxico. Nada que abalasse a minha autoestima tão quanto quando eu abria os stories e rolava a timeline do Instagram.

Antes de prosseguirmos, quero pedir desculpas pelas palavras. Isso não é nenhum texto pretencioso para tentar me gabar por um comportamento diferente do usual. É um desabafo. Quase uma súplica, um pedido de socorro para mim mesmo. Considerações feitas, vamos ao que interessa a ninguém.

E o que interessa não é nada de interessante mesmo. Pelo menos algumas 300 vezes por dia, automaticamente a primeira atitude que tinha ao pegar o celular era apontar o meu polegar opositor ao ícone do Instagram, mesmo que tivesse pegado o celular com outra finalidade. Já era tão automático quanto respirar. E tão viciante quanto um cigarro de quem fuma casualmente quando bebe ou vai a uma festa topzêra e que de repente vira um ou dois maços diários de quem pode parar quando quiser.

Acordava 5 minutos mais cedo, abria o Insta mesmo sem mesmo abrir os olhos cheios de remelas e quando via, estava 10 minutos atrasado. Sentava no troninho para atender o chamado da natureza rapidinho, bora ver o que tá rolando no Insta e, ih rapaz, tô aqui tem 20 minutos. Trabalho não estava rendendo, por que não olhar o Insta pra render menos ainda? Afinal, o fracasso só é fracasso se for fracasso total.

E por que isso é ruim? Porque era ótimo. Era ótimo porque tinham vários memes memoráveis, afinal, quem em sã consciência não gosta de Dicas Dollynho? Também havia as postagens conceituais de todos os tipos, várias referências artísticas fodas, as fotos de gatinhos filhotes fofos, os filhotinhos de gente dos amigos e várias outras bestagens de vários níveis.

Mas era ruim porque era muito ruim também. Eu via que me tornava uma pessoa ainda mais tóxica do que esse texto. Via que usava cada vez mais a rede social como uma fuga da realidade e não como uma extensão dela. Tudo lá parecia melhor, até mesmo quando via um stories da pessoa mostrando que estava na pior tomando soro na veia, porque aquele sim era um drama legítimo e não o meu.

Ou então aquele sentimento de desenho animado quando tem um capetinha falando no ouvido do Pateta, porque eu odiava uma pessoa de pertinho por sua rotina superficial em que eu desumanamente pensava “quer enganar quem que esse jantar caro não está temperado com decepções, desilusões, tristezas e falsidades?”. Sim, eu era a pessoa malvada por uma fração de segundos até passar para a próxima história. Mas juro que, no fundo, era apenas a certeza de que minha vida parecia muito mais desinteressante (e por que não seria?!) do que a de todo mundo.

Claro que eu também usava a rede social ao meu bel-prazer, of course. Como adorava ironizar aquilo tudo com as minhas piadinhas sem graça, ironizava até mesmo o próprio comportamento social da rede social. Também, é claro, que eu adorava postar as indies-samba-rock-lollapalooza-radiohead que eu escuto (que parecia um grito de “vem ver, gente, o tanto que meu gosto musical é hipster massa bagarai e me amem por isso”).  E claro, não podia deixar de faltar, as fotos conceituais que tirava por aí. Lógico que eu queria compartilhar com a minha rede de contatos coisas legais (ou cafonérrimas), que teriam seu nível de legalidade computada pelo número de likes e directs.

Ah, os likes! Como parecia que minha vida era inconscientemente medida por eles. Sempre rolava o dilema “por que gostaram mais dessa foto do que dessa?”. E também, se a autoestima estava baixa, rolava postar aquela foto de 2016 para ver se dava um up.

No fim das contas, a conta era ansiedade, horas perdidas por dia e dias perdidos por ano. E eu não estava nem lá nas coisas que via no mundo virtual, nem cá vivendo o mundo real. Triste, né?

Ok, levei esse tema a muito ferro e fogo. Talvez eu que não estava usando a ferramenta da maneira correta, do jeito mais saudável. Mas de fato era triste ver coisas e me sentir... Triste. Mesmo com tantos momentos bons, pensei, por que não fazer um experimento social comigo mesmo?

O resultado?  Bom, neste mais de um mês em abstinência de Instagram, ainda inconscientemente clico no ícone do aplicativo (não desinstalei) e só então vejo que desativei temporariamente a minha conta. Também fiquei menos ansioso em vários aspectos. Aprendi viver melhor o aqui e agora sem ficar pensando o que está acontecendo no mundo lá fora e comparando a minha vida a vida das outras pessoas. Até porque, será que eu queria estar ali naquela baladinha, comendo aquela comida daquele único chefe famoso de Goiânia ou dentro daquele carro em movimento prestes a bater porque o motorista estava no celular ou o passageiro importunando o motorista com desvios de atenção desnecessários? Sim, queria, mas a minha vida também tem pontos positivos ótimos (?).

Provavelmente as únicas coisas que me ligam à minha geração são inquietação, ansiedade, déficit de atenção aguçado, expectativa por novidades constantes, sonhos frustrados, sonhos pré-fabricados pela mídia, enjoo rápido pelas velhas novidades (vide Pokémon Go!) e excesso de idealismo que me transforma em um white people problem ambulante. Talvez em alguns momentos ainda há um espaço para doses cavalares de ironia e a necessidade extrema de moralismo e lacração, mas talvez eu não consiga me mostrar da mesma forma ou ver o outro se mostrando. Para o Instagram, eu falhei, pelo menos por agora e provavelmente boa parte da parcela de culpa é minha.

Agora que o desabafo foi concluído, acho que posso voltar para o Instagram. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas em breve, com mais inteligência emocional, eu espero, e (espero) sem sentimentos tóxicos. Viver é massa, isso que importa.

E já que concluímos o que há de desimportante por hoje, podem conversar aí sobre o governo do Bolsonaro ou qualquer outro #TBT.

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EDIT:

Vou listar aqui sete percepções que tive neste tempo sem Instagram:


  1. No primeiro fim de semana, meu contato social diminuiu bastante, uma vez que conversava com muitos amigos muito através de comentários em stories ou compartilhando bobagens. 
  2. Sem o Instagram, me restou o Whatsapp e o Whatsapp exige maior espontaneidade para puxar um papo sem o pretexto de uma novidade, o que demorou um tempo, já que pouca gente percebeu a minha ausência na outra rede social.
  3. Sem o Instagram eu estava salvo da procrastinação e alienação? Claro que não! Também destilava meu ódio no Twitter e via outras bobagens no Facebook – um território menos habitado, mas com conteúdos muitas vezes mais interessantes. 
  4. Sobre o ponto anterior, só reforça que a culpa da minha infelicidade não está só em uma rede social, também está dentro de mim e do meu despreparo. 
  5. A felicidade no Instagram pode ser sim genuína, mas é só aquela que a gente quer mostrar pros outros. A felicidade plena a gente compartilha de outras formas (se é que ela existe).  
  6. Por mais superficial que seja, o Instagram deixa a gente perto de quem está longe e que a gente quer por perto – o problema era ficar longe e se afastar de quem estava perto e que a gente quer por perto.
  7. Por que xs blogueirxs estão no Instagram abrindo recebidos e não escrevendo textos em blogs? 

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Dança da Chuva

As chuvas começaram. Finalmente. Dizem por aí que chuvas servem para lavar a alma. Ainda no meio do clima seco que vivemos.

Vivemos.

Interessante conjugar logo esse verbo na primeira pessoa do plural quando não existe mais “nós”, quando não mais existe sequer o verbo.

Interessante as chuvas começarem justamente quando “nós” deixou de existir, quando você decidiu seguir em frente.

Talvez já não havia mais “nós” há muito tempo. Talvez já não existia “nós” antes mesmo de você tomar o primeiro passo. Alguém precisava puxar o gatilho que estava logo ali. E nunca se puxa o gatilho sozinho. Ou pelo menos é o que dizem por aí.

Sozinha ou não, você puxou.

De qualquer maneira, já fazia muito tempo que o tempo estava seco. Já fazia muito tempo que o tempo parecia não existir mais para nós. Que tudo era igual. Que tudo era um grande deserto, tanto lá fora, quanto dentro dos seus olhos.

Mas você seguiu e as chuvas chegaram, elas não mudaram a programação mesmo sem ter você para ver. Só que diferente do que dizem, as chuvas não vieram lavar a minha alma. No máximo regam-na de lágrimas: tenho certeza que os anjos que travaram guerras para nos unir não gostaram muito das últimas notícias.

Lembro-me de que em dias de chuva você gostava de ver filme. Em um desses dias você me contou que quando chovia nos filmes, queria dizer que alguma virada estava acontecendo, que nada mais seria como antes. E você, como sempre, estava certa.

Lembro-me de como você gostava do cheiro da chuva. As suas bochechas coravam na primeira inspirada. E depois de alguns instantes fechados, os seus olhos brilhavam depois de expirar.

Lembro-me de como você gostava do cheiro do café que eu fazia em dias assim. Pouco açúcar. Mascavo, por favor. 

E aquele dia de sol forte e calor intenso que caiu (como você disse mesmo?) um “toró daqueles do nada”? Você saiu correndo desesperada pelo quintal para tirar as roupas do varal. Você vestia aquele vestido que eu te dera logo depois que nos conhecemos. Você escorregou e caiu, se sujou toda de lama. Fiquei preocupado e corri ao seu encontro. Quando cheguei perto, você olhou pra mim e começou a rir. E eu ri de você. E nós rimos juntos.

Nós.

Você se levantou, desistiu das roupas no varal. Não tinha mais o que fazer. Elas molhadas e você suja de lama. Você gargalhava. E você começou a rodar. E você rodava. E rodava. E rodava. Parecia ciranda. O seu sorriso, o maior de todos, nunca foi tão grande.

Parecia comercial de margarina ou de sabão em pó. Mas não era. Se fosse, acabaria eternizado no abraço que você me deu em seguida e que por anos eu achei que você nunca mais tinha me soltado. Por tempos acordei achando que eu estava bem ali, nos seus braços.

Logo, tempo e chuva passaram e tudo ficou seco novamente. Nem o cheiro de café te corava ou consolava mais. Seus olhos não mais brilhavam, permaneciam tão secos quanto o tempo árido lá fora.

Sem brilho, os seus olhos se fecharam definitivamente para mim. Como água, o que era “nós” escorreu por nossos dedos. Você se foi e eu fiquei, só me restando a secura.

Mas hoje tudo mudou mais uma vez. Hoje choveu de novo depois de muito tempo. No meio da tempestade percebi que o sol sempre voltará em algum momento para brilhar para todo mundo. E quando o mundo brincar de dançar ciranda, o sol for embora e escurecer, eu sei que a sua estrela voltará para brilhar só para mim.

Aí então estaremos nós dois dançando juntos de novo, dessa vez na chuva de estrelas.

Só nós. Só eu e você.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Dúvida

Tem dias que me pego distraído no meio da rua e percebo que não me lembro de nada do que fiz antes do agora e depois de ter acordado. E eu estou simplesmente ali, seja lá onde eu estou.

Vou aos poucos tentado fazer um check list mental das coisas que eu fiz ou deveria ter feito ou deixei de fazer, sem ter certeza em qual das opções acima essas coisas estão.

Dar comida dos gatos e tomar banho provavelmente estão nas coisas feitas – meu cabelo está molhado e gatinhos sempre em primeiro lugar.

Passar desodorante e escovar os dentes eu espero ter feito, por enquanto não parece que estou fedendo.

Tirar roupas da máquina, desligar o gás da cozinha e trancar a porta de casa provavelmente não fiz e nunca saberei se fiz se não prestar atenção no trânsito e pisar no freio antes do carro bater.

Acidente evitado, percebo que estou indo para a agência. É então que me dou conta que tenho um emprego, trabalho em uma agência e não faço a menor ideia porque sou publicitário, uma profissão altamente sádica e muito menos criativa e descolada do que pensam por, pelo menos no meu país Goiânia ou no meu Fantástico Mundo de Bobby.

E quando tento terminar essa reflexão a respeito da minha escolha, vejo que já passei na padaria, já comei meu café da manhã inflacionado, já queimei a boca com o café preto e que já tenho várias abas de Word abertas com textos incompletos de e-mails makerting, tags de brindes e banners para eventos em Patos de Minas sobre agronegócio – logo eu, criado no concreto e com pouca vivência em chácaras e fazendas na infância, sem histórico de um braço quebrado sequer por cair do pé de goiaba.

Aí me recordo de um dia de chuva na pamonharia em que eu cresci e que o movimento estava baixo e então genialmente criei uma promoção de um cambo de pamonha + Pitchula por R$ 2,50 – afinal, quem não gosta de uma pamonha com Pitchula em dia de chuva?

Recordo-me também do dia que peguei a revista da Avon da minha mãe e fui vender na escola. E do dia em que ela fez uma tantão de cocada e saí na rua vendendo, mesmo sem saber que cem centavos equivale a 1 real.  E tem também o dia que em um trabalho de Língua Portuguesa da fessora Cláudia devíamos fazer um telejornal e eu fiquei responsável pela parte dos intervalos comerciais e todo mundo achou o máximo.

É isso! Nasci pra isso! Vender é minha especialidade desde sempre, nunca tive dúvidas disso! Mas enquanto eu pensava, os textos dos e-mails marketing, da tag de brindes e banners do evento em Patos de Minas voltaram com reprovação.

É então que me lembro dos calotes dos freelas que levei, das propostas indecentes de permuta que recusei (mas quase aceitei), das noites viradas e fins de semanas perdidos com trabalhos reprovados e que, quando aprovados, aprovados graças ao brilhante trabalho do atendimento, mídia e planejamento que salvaram o trabalho apenas médio da criação.

Mais uma freada brusca (no carro e na cueca) para perceber que estou voltando para a casa e preciso me lembrar de não atropelar a velhinha.

A porta de casa está trancada, pois não consigo achar a chave ou ao menos encaixá-la do jeito certo na fechadura. O gás está desligado, pois nenhum gato está morto. A roupa, porém, está mofada na máquina e é claro que nem me lembrei de lembrar nas luzes que ficaram todas acesas e das janelas que ficaram todas abertas deixando a chuva gentilmente entrar.

Mas pouco importa, pois nem percebo que já acordei, o que significa que já dormi sem perceber, com a televisão ligada e a roupa de ontem, inclusive.

Agora já não tenho dúvida de mais nada, a não ser de tudo.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Ela morreu no dia do Pi

Ontem foi o dia do Pi (π). Sim, aquele símbolo da matemática. Aquele número infinito que começa com 3,14 e depois segue até não sei onde. Aquele que é chato pra caraca. Aquele que se repete em qualquer circunferência. E também se repete na natureza em, por exemplo, ondas e na Via Láctea.


Para quem não se lembra - eu também não me lembrava até a Superinteressante me refrescar a mente no Twitter - para chegar ao número do Pi, basta pegar o cumprimento de uma circunferência, ou seja, todo a margem de um círculo (roda de um carro, por exemplo), e dividir pelo seu diâmetro (o comprimento dessa suposta roda passando pelo seu centro). Pronto. De uma maneira simplista chegamos até o Pi.

Também ontem aconteceu algo curioso, só que muito trágico e triste. No Rio de Janeiro, a vereadora (que no português, na flexão de gênero, temos o gênero feminino) negra (que na sociedade significa ascensão, representatividade e quebra de paradigmas quando se atinge um posto predominado pela cor branca, diferentemente da sociedade brasileira tão diversa como um todo) do PSOL (que na política é um partido socialista, ou seja, de esquerda, que como qualquer outro tem apoiadores e opositores mas que, a grosso modo, levanta bandeiras e pastas voltadas para o social) Marielle Franco (que em sua particularidade tenho quase certeza, a ponto de apostar um dedo, que ela tinha amores, sonhos, ideais, amigos, família, trabalho, enfim, era uma pessoa normal tipo eu e você) foi brutalmente assassinada.

Diferentemente do dia do Pi, se você não for um extraterrestre e tiver acesso a internet, TV, jornal, rádio ou qualquer tipo meio de comunicação, já deve saber a essa altura do campeonato quem é Marielle Franco. E talvez esqueça daqui um tempo quando um horror midiático maior chame sua atenção.

Mas, neste caso, não é apenas um horror midiático. É um fato que já nessa manhã se mostrou histórico. A história, mesmo que você não tenha gostado de estudar na escola assim como eu não gostava muito de estudar o Pi, nos deixa ensinamentos muito importantes que nos ajudam a ler o mundo de hoje e para projetor o futuro de amanhã.

E a história na natureza humana, assim como o Pi na natureza como um todo, se repete na vida de maneira cíclica.

Vamos abrir nossos olhos redondos e refletir com eles bem abertos. Círculo, na prática, não tem direita, nem esquerda, principalmente se você está na margem, assim como Marielle Franco esteve por muito tempo. E ironicamente seu fim trágico se deu quando tentou chegar ao centro do poder e que, convenhamos, é o centro dos problemas da nossa sociedade. Na prática, perdemos muito tempo quando achamos que estamos escolhendo uma direção quando estamos na verdade voltando para o mesmo lugar, dando voltas em nós mesmos. Na prática, Marielle morreu através do raio que veio do centro da nossa podridão.

Se você procurar nos livros de história ou no Google, você vai encontrar tantas outras Marielles desde muito antes do tempo do guaraná de rolha. A história se repete e você nem vai precisar do Pi para calcular ou para entender o que está acontecendo hoje.

Se você for humano, você vai entender e sentir essa dor. E se você não sentir indignação e compaixão, provavelmente, você é o extraterrestre que só lê isso tudo como mais um horror midiático.

Marielle morreu no dia do Pi. Marielle não voltará mais. Marielle está presente.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Desliguem o Canal Off




                         
Talvez você já tenha ouvido falar do Canal Off. Talvez não. Talvez curta o que se passa no Canal Off. Talvez não. Mas muito provavelmente, se você conhece ou vir a conhecer o Canal Off e curtir o que se passa na tela dele, não vai curtir o Canal Off por si só. Por quê? Já explico. Antes, porém, precisamos falar de bullying virtual.

Para evitar interpretações ou expectativas equivocadas, já digo que não vou tocar em qualquer tipo de demonstração de preconceito e também não vou problematizar haters (aquelas pessoas que ficam odiando e ofendendo através de comentários anônimos em notícias do G1 ou até mesmo no Facebook com a identidade para quem quiser ver por achar que a internet dá aval para falar o que bem ((não)) entender). Neste caso, o hater provavelmente sou eu. Só que eu admirando/odeio de pertinho e caladinho.

Bullying virtual aqui eu falo de redes sociais. Sobretudo Instagram e por vezes Facebook, já que a maioria das pessoas replica suas publicações da primeira na segunda. E o bullying é praticado por todos e a única vítima que eles estão agredindo sou eu mesmo. Todo mundo está muito feliz e eu trabalhando. Todo mundo está viajando e eu deitado no sofá. Todo mundo está indo à praia com um short descolado e eu indo à padaria com um short furado. Todo mundo vendo neve na Europa e eu tentando entender o termostato da geladeira, que nunca sei se o “mínimo” e “máximo” está falando de temperatura ou de potência. Até mesmo quando estou em um momento de lazer no S4 Bar, o melhor (ou seja, pior) bar copo sujo da minha região, todo mundo está no Outback.

É difícil conviver com essa dura realidade. E mais inusitado que isso é que a internet nunca falha nessas horas para evitar que meu recalque apareça para eu sequer mover o dedo para deixar o like. É lógico que eu queria estar no lugar de todo mundo. É lógico que eu adoraria gastar dinheiro para sair de Goiânia e ir até o Rio de Janeiro e postar vídeo correndo na hora orla de Ipanema – não basta viajar para a cidade mais badalada do Brasil, é preciso ostentar também bons hábitos de vida, usufruir o melhor da vida em todos os aspectos e encarar a cidade com naturalidade (encanto demais é para marinheiros de primeira viagem). Deve ser muito bom, depois de uma temporada em Dublin, poder dizer com a maior naturalidade do mundo, sentado na mesa de bar qualquer, que nem tudo eram flores conforme o Snapchat mostrava, afinal, o aquecedor dor bar em que James Joyce frequentava não era tão potente assim. Melhor ainda poder “pray for Paris” no avatar do feice com a torre Eiffel ao fundo.

Não, eu não escrevo essas palavras com ódio. Há quem ouse dizer que isso é inveja, mas insisto em refutar esta tese, que não discordo no fato de fazer sentido. Confuso? O que quero dizer é que toda esta vulgaridade nas redes sociais segue a mesma lógica dos trotes universitários, estes sim já superados e desprezados por mim. Eu não concordo com este bullying que fazem comigo, me faz sofrer um pouquinho. Mas logicamente que, quando chegar a minha vez, vou precisar postar o lado bom da vida para ganhar mais likes (of course) e ainda farei questão de gravar vídeo no Central Park reclamando do serviço de charretes para mandar nos grupos de Whatsapp com a legenda “chora pobrada”. Assim como os (idiotas) trotes universitários, sofro agora para no futuro poder ter o mesmo regozijo.

E o Canal Off? Já chego lá.

Outro dia fui ao shopping sozinho, afinal, não havia arrumado companhia em tempo hábil para um mochilão em Machu Picchu. Entrei na Leitura e me dirigi à seção de livros em lançamento. Um deles era do Caio Castro. Não se trata de nenhum parente do Castro Alves caso alguém ache que estou sendo intelectual demais, é apenas o ator global mesmo (ou seja, estou sendo apenas pedante demais). O título: “É por aqui que vai pra lá – viagens por um ano sabático”. Ele conseguiu engarrafar em um livro o que vejo no feed do Facebook. Genial! A diferença é que o estilo de vida dele por si só já era digno de bullying para comigo e mesmo assim ele arranjou espaço na agenda para tirar um ano sabático só para me provocar. Até tu, Caius Castrus?

O que escrevi até agora foi só para preparar o terreno e te familiarizar com o meu sentimento diário. Envolto de tanto bombardeio por todos os lados, procurei no mesmo dia consolo no único divã possível, sendo assistido por um batalhão de psicanalistas devidamente armados de ampolas estupidamente geladas: a mesa de bar. Desta vez nem S4 Bar, muito menos Outback. O famoso Officina, o bar da família goianiense. Depois de alguns goles anestésicos, reparo a TV. Canal Off. Reparo que em todas os outros televisores e o telão. Só há audiência para somente um canal.  Não é possível! Me tirem daqui!

Como no Laranja Mecânica, eu era o Alex (o protagonista) sendo torturado sem poder piscar. No refúgio que escolhi para esquecer a vida medíocre que levo, mais uma afirmação do meu devido lugar no mundo.

O Canal Off é simplesmente maravilhoso. Várias cenas de surf, montanhas, natureza, mergulhos. Tudo isso registrado em full-ultra-HD-4k-high-tech-multimídia e protagonizado por homens e mulheres que saíram na mesma fornada que o Rodrigo Hilbert e a Fernanda Lima. Aquilo nem parece o planeta Terra. É o mundo perfeito. Quem me dera ser o carregador de equipamentos dessa galera.
Meu problema não é com quem viaja ou curte a vida melhor que eu. No Instagram, pelo menos eu escolho quem seguir e estar acompanhando e admirando/odiando de pertinho. Agora parece que em todo bar com televisão não existe mais futebol, UFC ou VH1. Estou exagerando? Consideravelmente. O que se passa lá é extraordinário, mas nem por isso quer dizer que eu queira ver. Inclusive deveria ter algum tipo de recomendação na tela para dizer que não aquilo não é recomendado para pessoas comuns. É como reunir todo o bullying velado do mundo em uma única forma de exibição. Quem me dera me desligar do mundo dentro do Canal Off e não na mesa de bar.

Garçom, por favor, desce mais uma e desliga o Canal Off.