sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Desliguem o Canal Off




                         
Talvez você já tenha ouvido falar do Canal Off. Talvez não. Talvez curta o que se passa no Canal Off. Talvez não. Mas muito provavelmente, se você conhece ou vir a conhecer o Canal Off e curtir o que se passa na tela dele, não vai curtir o Canal Off por si só. Por quê? Já explico. Antes, porém, precisamos falar de bullying virtual.

Para evitar interpretações ou expectativas equivocadas, já digo que não vou tocar em qualquer tipo de demonstração de preconceito e também não vou problematizar haters (aquelas pessoas que ficam odiando e ofendendo através de comentários anônimos em notícias do G1 ou até mesmo no Facebook com a identidade para quem quiser ver por achar que a internet dá aval para falar o que bem ((não)) entender). Neste caso, o hater provavelmente sou eu. Só que eu admirando/odeio de pertinho e caladinho.

Bullying virtual aqui eu falo de redes sociais. Sobretudo Instagram e por vezes Facebook, já que a maioria das pessoas replica suas publicações da primeira na segunda. E o bullying é praticado por todos e a única vítima que eles estão agredindo sou eu mesmo. Todo mundo está muito feliz e eu trabalhando. Todo mundo está viajando e eu deitado no sofá. Todo mundo está indo à praia com um short descolado e eu indo à padaria com um short furado. Todo mundo vendo neve na Europa e eu tentando entender o termostato da geladeira, que nunca sei se o “mínimo” e “máximo” está falando de temperatura ou de potência. Até mesmo quando estou em um momento de lazer no S4 Bar, o melhor (ou seja, pior) bar copo sujo da minha região, todo mundo está no Outback.

É difícil conviver com essa dura realidade. E mais inusitado que isso é que a internet nunca falha nessas horas para evitar que meu recalque apareça para eu sequer mover o dedo para deixar o like. É lógico que eu queria estar no lugar de todo mundo. É lógico que eu adoraria gastar dinheiro para sair de Goiânia e ir até o Rio de Janeiro e postar vídeo correndo na hora orla de Ipanema – não basta viajar para a cidade mais badalada do Brasil, é preciso ostentar também bons hábitos de vida, usufruir o melhor da vida em todos os aspectos e encarar a cidade com naturalidade (encanto demais é para marinheiros de primeira viagem). Deve ser muito bom, depois de uma temporada em Dublin, poder dizer com a maior naturalidade do mundo, sentado na mesa de bar qualquer, que nem tudo eram flores conforme o Snapchat mostrava, afinal, o aquecedor dor bar em que James Joyce frequentava não era tão potente assim. Melhor ainda poder “pray for Paris” no avatar do feice com a torre Eiffel ao fundo.

Não, eu não escrevo essas palavras com ódio. Há quem ouse dizer que isso é inveja, mas insisto em refutar esta tese, que não discordo no fato de fazer sentido. Confuso? O que quero dizer é que toda esta vulgaridade nas redes sociais segue a mesma lógica dos trotes universitários, estes sim já superados e desprezados por mim. Eu não concordo com este bullying que fazem comigo, me faz sofrer um pouquinho. Mas logicamente que, quando chegar a minha vez, vou precisar postar o lado bom da vida para ganhar mais likes (of course) e ainda farei questão de gravar vídeo no Central Park reclamando do serviço de charretes para mandar nos grupos de Whatsapp com a legenda “chora pobrada”. Assim como os (idiotas) trotes universitários, sofro agora para no futuro poder ter o mesmo regozijo.

E o Canal Off? Já chego lá.

Outro dia fui ao shopping sozinho, afinal, não havia arrumado companhia em tempo hábil para um mochilão em Machu Picchu. Entrei na Leitura e me dirigi à seção de livros em lançamento. Um deles era do Caio Castro. Não se trata de nenhum parente do Castro Alves caso alguém ache que estou sendo intelectual demais, é apenas o ator global mesmo (ou seja, estou sendo apenas pedante demais). O título: “É por aqui que vai pra lá – viagens por um ano sabático”. Ele conseguiu engarrafar em um livro o que vejo no feed do Facebook. Genial! A diferença é que o estilo de vida dele por si só já era digno de bullying para comigo e mesmo assim ele arranjou espaço na agenda para tirar um ano sabático só para me provocar. Até tu, Caius Castrus?

O que escrevi até agora foi só para preparar o terreno e te familiarizar com o meu sentimento diário. Envolto de tanto bombardeio por todos os lados, procurei no mesmo dia consolo no único divã possível, sendo assistido por um batalhão de psicanalistas devidamente armados de ampolas estupidamente geladas: a mesa de bar. Desta vez nem S4 Bar, muito menos Outback. O famoso Officina, o bar da família goianiense. Depois de alguns goles anestésicos, reparo a TV. Canal Off. Reparo que em todas os outros televisores e o telão. Só há audiência para somente um canal.  Não é possível! Me tirem daqui!

Como no Laranja Mecânica, eu era o Alex (o protagonista) sendo torturado sem poder piscar. No refúgio que escolhi para esquecer a vida medíocre que levo, mais uma afirmação do meu devido lugar no mundo.

O Canal Off é simplesmente maravilhoso. Várias cenas de surf, montanhas, natureza, mergulhos. Tudo isso registrado em full-ultra-HD-4k-high-tech-multimídia e protagonizado por homens e mulheres que saíram na mesma fornada que o Rodrigo Hilbert e a Fernanda Lima. Aquilo nem parece o planeta Terra. É o mundo perfeito. Quem me dera ser o carregador de equipamentos dessa galera.
Meu problema não é com quem viaja ou curte a vida melhor que eu. No Instagram, pelo menos eu escolho quem seguir e estar acompanhando e admirando/odiando de pertinho. Agora parece que em todo bar com televisão não existe mais futebol, UFC ou VH1. Estou exagerando? Consideravelmente. O que se passa lá é extraordinário, mas nem por isso quer dizer que eu queira ver. Inclusive deveria ter algum tipo de recomendação na tela para dizer que não aquilo não é recomendado para pessoas comuns. É como reunir todo o bullying velado do mundo em uma única forma de exibição. Quem me dera me desligar do mundo dentro do Canal Off e não na mesa de bar.

Garçom, por favor, desce mais uma e desliga o Canal Off.

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